terça-feira, 27 de janeiro de 2009

MANIFESTO

EM NOME DA MEMÓRIA, DA VERDADE E DA JUSTIÇA!

As entidades defensoras dos Direitos Humanos vêm a público exigir a responsabilização dos torturadores, assassinos e seus mandantes por seus crimes praticados durante o tenebroso período da ditadura militar.

É essencial entender que a violência dos dias atuais é fruto da impunidade dos agentes públicos pelos seus crimes de lesa-humanidade praticados durante o regime de Terrorismo de Estado, que infelicitou por mais de duas décadas a nação brasileira.

A não responsabilização de crimes de torturas, assassinatos, seqüestros, violência sexuais, saques de casas de opositores e desaparecimentos forçados de militantes políticos tem sido um incentivo à corrupção de nossas instituições democráticas e a desmoralização dos valores humanos mais caros à Humanidade.

Para que a Sociedade brasileira conheça sua História de forma verdadeira é fundamental a abertura de todos os arquivos da repressão política. Os crimes da ditadura precisam ser conhecidos sem reservas ou censuras.

Nada justifica o silêncio sobre fatos, práticas e autores de crimes cometidos durante um regime ilegal e ilegítimo. Portanto, a Lei 11.111/05 por impedir o acesso aos arquivos da repressão após décadas dos fatos ocorridos, é uma afronta à Sociedade brasileira e uma clara tentativa de manter impunes os criminosos.

O Brasil precisa conhecer os autores e seus mandantes desses crimes imperdoáveis e imprescritíveis, bem como as circunstâncias em que ocorreram.

A Justiça brasileira, e em especial o Supremo Tribunal Federal, tão violentados pela ditadura militar, devem se pronunciar pela possibilidade judicial de responsabilização dos torturadores e seus mandantes, de forma clara e inequívoca. Nada justifica a omissão diante de fatos tão graves.
O parlamento brasileiro, vítima de tantas agressões durante o período de Terrorismo de Estado, precisa honrar os muitos parlamentares cassados, presos e perseguidos pela ditadura militar, que nunca calaram ou se curvaram.

O Presidente da República, Chefe do Estado e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas do país, tem a tarefa histórica de demonstrar que a Democracia não compactua com a ditadura e que criminosos não podem ser confundidos com profissionais honrados.

Só a instalação de uma Comissão da Verdade e Justiça, composta por personalidades idôneas e sensíveis, governamentais e da sociedade civil, poderá esclarecer esse passado tenebroso e não resolvido de nosso país. Essa Comissão da Verdade e Justiça deve ter o poder de apuração dos fatos e o papel de indicar o caminho para uma justa e verdadeira pacificação de nossa História.

Pela punição aos torturadores e seus mandantes!
Pelo esclarecimento dos crimes cometidos durante a ditadura militar!
Pela abertura total e irrestrita de todos os arquivos da ditadura!
Pela revogação da Lei 11.111/05
Pela instalação de uma Comissão da Verdade e Justiça!

Que prevaleçam a Verdade e a Justiça!
Abaixo a ditadura e seus reflexos nos dias de hoje!
Viva a Democracia!

Documentos da ditadura descrevem ministro como um exímio atirador

Franklin Martins era considerado de "grande periculosidade" por militares
LETÍCIA SANDERDA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um dos principais auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Franklin Martins (Comunicação Social) era visto pelos órgãos repressivos da ditadura militar (1964-1985) como um dos líderes estudantis de maior evidência, um indivíduo de "grande periculosidade" que, "sempre armado, não vacila em atirar".O texto, que provoca risos do hoje ministro, foi assinado por Newton Costa (da Delegacia Especializada em Roubos e Furtos) em 4 de setembro de 1969 e integra um calhamaço sobre sua atuação no período, em poder do Arquivo Nacional.
Os documentos, aos quais a Folha teve acesso, incluem uma espécie de ficha do extinto SNI (Serviço Nacional de Informações) datada de 1974, na qual ele é acusado de ter participado de toda ordem de subversão, de assaltos contra bancos e à residência de um deputado, a seqüestros e roubos.
Fatos, em sua maioria, negados pelo ministro. Do teor das acusações listadas, Franklin confirma duas participações: foi ele quem, em 4 de setembro de 1969, estava na direção do Volkswagen azul que bloqueou a passagem do carro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, ponto inicial de uma ação que virou símbolo do combate à ditadura militar.
O ministro também confirma ter feito a "segurança" da operação de assalto à casa do então deputado Edgard Magalhães de Almeida, político ligado às artes que tinha cerca de U$ 70 mil no cofre de casa, dinheiro que foi levado pelos militantes na ação, descrita ainda hoje pelo ministro como de "expropriação", e não roubo.
"Exímio atirador", de acordo com os militares, Franklin é irônico ao se referir à própria periculosidade. "É um conceito subjetivo", diz, acrescentando: "De alta periculosidade eu acho que era o general que comandava o país naquele momento".
O ministro fez curso de guerrilha em Cuba, período em que foi treinado para o uso de armamentos e explosivos, além de táticas de selva e condicionamento físico. Hoje, ele reconhece que a luta armada não foi um instrumento eficaz no combate à ditadura, mas não se arrepende disso.
"Estava lutando contra um regime que, de arma na mão, derrubou o presidente constitucional, fechou os sindicatos, instituiu a censura, acabou com os partidos políticos, prendeu gente até dizer chega, tirou um grande número de parlamentares do congresso, prendeu, torturou, matou.... não sei por que eu teria uma relação de "eu só luto até certo ponto contra a ditadura". Não". "Felizmente", acrescenta, ele diz que nunca teve de atirar em ninguém.
Ao ministro são atribuídos, num dos documentos, comentários desabonadores ao atual presidente da República.
O texto, que constava dos arquivos do SNI, afirma que, num debate público sobre "o socialismo e a crise na Polônia", Franklin se destacou pelas críticas ao sindicato Solidariedade. Ele teria expressado que, "a exemplo da Polônia, o líder Lula deve perder a máscara", comentário do qual Franklin não reconhece a autoria.O ministro, à época, foi contra a criação do PT.
"Eu nunca fui do PT, nem próximo. Ao contrário, tinha críticas, achava o PT muito esquerdista", diz Franklin hoje.Para ele, os documentos têm valor histórico por revelarem "a mediocridade", além da "incapacidade de conviver com a crítica" do regime.
O governo promete flexibilizar, a partir de 2009, o acesso a este tipo de documentação de posse do Arquivo Nacional.

Semana do MP terá entrega de condecoração e premiará estudantes

Extraido de: Ministério Público do Estado da Bahia
15 de Dezembro de 2008
Durante a Semana do Ministério Público, que acontecerá a partir da próxima quarta-feira, dia 17, no Hotel Pestana (Rio Vermelho), a diretora do Comitê de Anistia e Direitos Humanos da Bahia, Diva Soares Santana, será condecorada com o Prêmio J.J. Calmon de Passos, e o professor Jorge Portugal, a presidente da Associação Baiana de Deficientes Físicos (Abadef), Maria Luiza Câmera, e o jurista e ex-procurador-geral de Justiça Rubem Rodrigues Nogueira com a Medalha do Mérito do MP.
A solenidade se dará no encerramento do evento, às 19h, do dia 19, quando também serão entregues as premiações das três estudantes vencedoras do Concurso de Redação do Ministério Público do Estado da Bahia O 1º lugar ficou com uma estudante de Salvador, Jaciara Ribeiro Caldeiras, do Colégio Estadual Nelson Barros; o 2º lugar com uma estudante do município de Eunápolis, Luciana Silva André, do Colégio Armando Silva Carneiro; e o 3º lugar com Nathália Irma Neves, do Instituto de Educação Anísio Teixeira, do município de Caetité. Elas serão premiadas respectivamente, com R$ 3 mil, R$ 2 mil e R$ 1 mil.

Voltado para estudantes com idade igual ou superior a 18 anos matriculados no ensino médio noturno das escolas da rede pública estadual, o concurso de redação do Ministério Público teve o objetivo de contribuir com o processo de formação dos estudantes do ensino médio noturno, modalidade 'Educação de Jovens e Adultos', de todo o Estado, que puderam discorrer sobre o tema Como você vê o papel da Escola e do Ministério Público na construção da cidadania, no contexto da Constituição Federal de 1988?.
O lançamento do concurso foi feito em outubro último pelo procurador-geral de Justiça Lidivaldo Britto e pelo secretário de Educação Adeum Sauer, através da assinatura de um Convênio de Cooperação Técnico-Administrativa para a execução do concurso. Os textos foram produzidos em sala de aula, mediante orientação dos professores. A semana do Ministério Público será aberta no dia 17, às 19h, pelo procurador-geral de Justiça Lidivaldo Britto; pelo diretor da Fundação Escola Superior do Ministério Público (Fesmip), promotor de Justiça Nivaldo Aquino; e pela presidente da Associação do MP (Ampeb), promotora de Justiça Norma Angélica Cavalcanti.
A conferência magna ficará a cargo da procuradora do Estado de São Paulo, Flávia Piovesan, que falará sobre os 60 Anos da Declaração dos Direitos Humanos da ONU. O tema da Semana do MP deste ano é A Atuação Integrada do Ministério Público na Defesa dos Direitos Sociais, que será debatido por procuradores e promotores de Justiça de toda a Bahia.
Autor: Anbar MTBA 690

Caso do cadete Márcio Lapoente da Silveira

RIO - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiu, no dia 9 de dezembro, apurar o caso do cadete Márcio Lapoente da Silveira, morto aos 18 anos durante um treinamento do Exército na Academia Militar das Agulhas Negras, em 1990, informa o repórter Flávio Tabak na edição desta segunda-feira do Globo. Agora, a investigação sobre a morte do cadete tramita na corte internacional, e a Advocacia-Geral da União terá que defender o país no caso.

A família pede a punição dos acusados pela morte do jovem, suspeito de ter sido torturado depois de passar mal durante exercícios. Segundo a petição, o inquérito policial militar do caso "não determinou o responsável pela morte da suposta vítima e foi arquivado". Ainda de acordo com o documento, a comissão da OEA já concluiu, no caso de Eldorado dos Carajás, que "os militares não gozam de independência e autonomia necessárias para investigar de maneira imparcial as supostas ações dos direitos humanos cometidas presumivelmente pela tropa".

Procurador opina sobre defesa de militares pela AGU na ditadura

O Correio da Cidadania conversou com o Procurador do estado de São Paulo Damião Trindade, agraciado em 2008 com o Prêmio Nacional de Direitos Humanos "João Canuto", sobre a decisão da Advocacia Geral da União (AGU) de assumir a defesa de dois militares envolvidos em crimes políticos praticados no período da ditadura. Sob o título " AGU está juridicamente obrigada a processar militares acusados de crime", a entrevista foi feita por Gabriel Brito e a reproduzimos aqui.

AGU está juridicamente obrigada a processar militares acusados de crime

Ainda à espera de posições firmes e definitivas do Estado brasileiro, as discussões em torno da Lei de Anistia e sua respectiva interpretação ganharam novos ingredientes nos últimos tempos. A AGU (Advocacia Geral da União), em ato contestado por diversos setores do judiciário nacional, resolveu assumir a defesa dos militares Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Costa Maciel, este último já falecido. Além disso, é crescente a pressão de parte da sociedade brasileira no sentido de exigir do governo e do judiciário pareceres sobre a abertura dos arquivos e da interpretação dos crimes cometidos pelos militares.

Para analisar tais questões, o Correio da Cidadania conversou com o Procurador do estado de São Paulo Damião Trindade, agraciado em 2008 com o Prêmio Nacional de Direitos Humanos "João Canuto", entregue pelo Movimento Humanos Direitos. Para sustentar a posição de que os crimes perpetrados pela ditadura são imprescritíveis, Damião enumera as diversas convenções às quais, desde 1914 em Haia, o Brasil tem se submetido, o que por si já impediria o país, nos marcos do direito internacional, de não julgar tais crimes na condição de lesa-humanidade.

Quanto à defesa dos militares oferecida pela AGU, Trindade, autor do livro ‘História Social dos Direitos Humanos’, considera tal caso "assombroso", pois a "União estaria juridicamente obrigada a ingressar diretamente com ações contra os agentes criminosos identificados, para compeli-los a repor ao erário esses valores que, por culpa deles, está sendo obrigada a desembolsar como indenizações aos sobreviventes e às famílias dos mortos e desaparecidos".

Correio da Cidadania: Como você avalia as propostas de revisão da anistia aos agentes do Estado que cometeram crimes, como a tortura e execução a sangue frio de presos e resistentes durante a ditadura militar?

Damião Trindade: Não se trata propriamente de rever a anistia desses agentes criminosos do Estado. Tanto a lei 6.683/1979 (lei da anistia), como o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988 (que ampliou a anistia) e a Lei 10.599/02 (que regulamentou esse dispositivo constitucional) anistiaram apenas crimes políticos, os crimes a eles conexos e crimes eleitorais. Mas, quando agentes do Estado seqüestravam pessoas, torturavam-nas no interior de repartições públicas, matavam-nas, muitas vezes ocultando seus cadáveres, não se trata mais de crimes políticos nem conexos, e muito menos eleitorais, e sim de crimes de lesa-humanidade, cometidos à margem da legalidade criada pela própria ditadura, pois nenhum dos governantes da ditadura jamais emitiu qualquer decreto-lei "autorizando" torturas, homicídios ou desaparecimentos forçados. Mesmo se existisse alguma norma com esse conteúdo, seria completamente ilegal à luz do Direito Internacional Público, ao qual o Brasil se submete.

CC: Como o Direito Internacional se aplica nessas situações?

DT: No terreno específico da garantia da vida e da incolumidade de pessoas presas, o Brasil aderiu aos comandos emanados do direito internacional já em 1914, quando ratificou a Convenção de Haia sobre o respeito aos princípios humanitários e às chamadas "leis da humanidade" durante as guerras, com a obrigatoriedade de preservação da vida e da integridade de prisioneiros. Depois, em 1945, o Brasil subscreveu carta de criação da ONU, documento fundado na busca da paz e na defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana – a começar pela vida e pela integridade física.

Além disso, naquela mesma época o direito internacional engendrava a figura penal dos "crimes de lesa-humanidade", que foi definida no estatuto do Tribunal de Nuremberg (confirmado pela ONU em 1946). Logo em seguida, essa modalidade criminal foi também acolhida pelas Convenções de Genebra (1949) e pela Convenção contra o Genocídio. Mais tarde, as convenções contra a tortura e contra desaparecimentos forçados, assim como o Estatuto de Roma, pelo qual foi criado o Tribunal Penal Internacional, reiteraram integralmente aqueles conceitos jurídicos desenvolvidos nos pactos celebrados no imediato pós-Segunda Guerra Mundial.

Todos os documentos que mencionei até agora foram subscritos pelo Estado brasileiro. Assim, desde 1946, para dizer o mínimo, as figuras dos crimes de lesa-humanidade já ingressaram no ordenamento jurídico brasileiro vindas do direito internacional – portanto, já eram normas com plena eficácia jurídica quando houve o golpe militar de 1964. Parece que os ditadores "se esqueceram" disso, ou não acreditaram que aqueles documentos pudessem ser levados a sério. Mas firmou-se por completo o entendimento nos tribunais internacionais de que torturas, assassinatos e desaparecimentos forçados de prisioneiros, cometidos por agentes públicos durante ditaduras, são, sim, crimes de lesa-humanidade.

Por fim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu que tal tipo de crime não é passível de anistia, seja por leis produzidas pelas próprias ditaduras – a chamada "auto-anistia", como é a nossa lei de 1979 – seja por leis posteriores a elas, pois se considera que tais crimes afetam não só suas vítimas diretas, mas a própria humanidade em si. Logo, o perdão ou "esquecimento" não pode, juridicamente, ser operado pela legislação interna de nenhum país. Esses crimes, conforme a jurisprudência dos tribunais internacionais, são imprescritíveis, não importa o tempo que passe. Sua punibilidade penal só se extingue com a morte dos agentes que os cometeram.

CC: O que pensa a respeito de a AGU, Advocacia Geral da União - ou seja, o Estado brasileiro -, considerar os militares processados por seus atos no antigo regime como beneficiários da lei de anistia e assumir suas defesas? Não é uma flagrante contradição dentro de um Estado que, em tese, repudia e condena tal período da história?

DT: Esse caso é espantoso, pois nem se trata de persecução penal de agentes da ditadura. O Congresso Nacional editou a mencionada lei 10.559/02 que, dentre outras matérias, obrigou o Estado a indenizar as vítimas ou seus familiares pelos crimes cometidos por agentes públicos durante a ditadura. Em decorrência, o Estado vem indenizando os sobreviventes e as famílias dos mortos e desaparecidos, isto é, vem reconhecendo, nesses casos bem documentados, que o Estado tolerou condutas criminosas de seus agentes, condutas que estão agora gerando efeitos financeiros contra o próprio Estado. Esse dinheiro das indenizações saiu e continua a sair do erário.

A rigor, a União estaria juridicamente obrigada, ela mesma, a ingressar diretamente com ações contra os agentes criminosos identificados, para compeli-los a repor ao erário esses valores que, por culpa deles, está sendo obrigado a desembolsar. Esse tipo de procedimento ocorre todos os dias na administração pública. Por exemplo: uma ambulância pública bate num carro particular. O dono do veículo privado demanda indenização do Estado pelos danos sofridos. Se o acidente ocorreu por culpa do condutor do veículo oficial – por exemplo, se avançou no cruzamento enquanto o semáforo estava vermelho –, ele terá de ressarcir as despesas com que o Estado arcou para reparar os danos tanto da viatura oficial, como do carro particular. Se não aceitar ressarcir amigavelmente, a administração pública tem o poder-dever de ajuizar uma ação contra ele para ressarcir-se.

Isso, repito, acontece todos os dias. Por que o governo federal não aplicou o mesmo critério no caso das indenizações políticas? Por que a própria União não processou os agentes da ditadura para que ressarcissem ao erário as despesas com as indenizações pagas? Pois foi necessário o Ministério Público Federal tomar tal iniciativa, na defesa do patrimônio público. O MP federal ajuizou uma ação contra dois ex-comandantes do DOI-CODI de São Paulo, para responsabilizá-los financeiramente (não penalmente) por cerca de 60 indenizações pagas pela União relativas a mortos e desaparecidos naquele centro de horrores durante o período em que aqueles dois militares o dirigiram. Ou seja: a ação é em defesa do patrimônio da União.

Os réus são os dois militares, não a União. Chamada a pronunciar-se no processo, a União, representada por sua Advocacia Geral, deveria ter endossado a iniciativa do MP. Mas, para assombro e estarrecimento dos próprios meios jurídicos do país, a AGU defendeu os réus! Colocou-se contra o próprio interesse patrimonial da União! Mas, como a AGU deve representar a vontade da União, agora a decisão se desloca para as mãos do presidente da República. Ele deve dizer com todas as letras à nação qual deve ser a vontade que a AGU deverá representar em juízo. Com um simples comunicado interno, ele pode determinar a mudança de posição da AGU. Há inteira base jurídica e processual para isso. A menos que não queira fazê-lo, o que seria horrível, uma capitulação política completa!

CC: Membros mais destacados do governo já se posicionaram contra tal posição da AGU. Desta forma, de onde viria a influência para a defesa dos acusados em questão? Fatos como esse não seriam, ademais, o preço a pagar em função de não se ter limpado dos quadros do poder – nas áreas política, administrativa e jurídica – pessoas fortemente ligadas ao regime antigo?

DT: A vacilação governamental até em determinar que a AGU assuma o pólo da defesa do ressarcimento do erário é algo sério. Não adianta superestimar fantasmas como "pressão militar", claro que ela ainda deve existir. Mas, se for esse o caso, até quando o governo eleito para defender o patrimônio do Estado e a própria democracia postergará o enfrentamento desse problema?

CC: Ao lado da falta de vontade política, por que o Brasil, signatário de múltiplas convenções que condenam imprescritivelmente os crimes da ditadura, conforme destacado acima, é vagaroso na solução dessas antigas feridas, incluindo-se nisso a abertura dos arquivos?

DT: Porque falta uma decisiva mobilização social para obrigar os governantes a honrarem os compromissos internacionalmente assumidos pelo país e os próprios compromissos que esses governantes assumiram com o povo de defender a ordem democrática.

CC: Por que, ademais, o país apresenta uma dificuldade maior que seus vizinhos de passado semelhante em ir além das reparações às famílias afetadas?

DT: Nos países vizinhos do Cone Sul, a pressão social foi certamente maior, até porque lá os mortos das ditaduras contaram-se às dezenas de milhares. E também porque nesses países não se desenvolveu, ao menos não com a força socialmente anestesiante que ganhou por aqui, um certo modo de dominação ideológica, historicamente produzido por nossas classes dominantes, que a grande mídia reproduz sistematicamente, que mistura hipocrisia, cinismo e covardia, expressando-se em máximas tais como "é melhor não mexer no passado", "vamos deixar as coisas como estão", "vamos olhar para o futuro"...

Essa idolatria do medo, essa postura omissa do "não quero me comprometer", à qual a classe média brasileira tornou-se muito receptiva, cumpre o papel de amortecer a indignação social. E também não se deve subestimar que uma fração imensa dessa classe média é politicamente reacionária mesmo, egoísta e fútil, sem nenhuma sensibilidade em relação ao drama social, apoiou a ditadura e apoiaria qualquer governo, mesmo abertamente fascista, que assegurasse a ela condições para continuar comprando roupas da moda e trocar de carro ano sim, ano não.

CC: O momento não pede por uma entrada definitiva, e consequentemente uma solução, por parte do judiciário brasileiro em relação a como tratar os crimes cometidos pela ditadura?

DT: Temo pela posição que o Supremo Tribunal Federal possa vir a adotar nesse assunto. A julgar por declarações de seu atual presidente e de alguns outros integrantes daquela corte, há uma vertente interna que quer mesmo "colocar uma pedra sobre o passado", o que conduziria o Estado brasileiro a uma situação de vexame mundial. O Tribunal Interamericano de Direitos Humanos e a Corte Internacional de Haia certamente condenariam o país por essa omissão. Isso já aconteceu com os nossos países vizinhos. Argentina, Chile e Uruguai passaram a julgar mais frequentemente os homicidas e torturadores de suas ditaduras depois que seus militares começaram a ser condenados em cortes internacionais. As entidades brasileiras de Direitos Humanos já estão se preparando para bater às portas dos tribunais internacionais, caso se confirme a omissão/cumplicidade do Estado brasileiro em relação aos agentes criminosos da ditadura.

CC: O ministro do Supremo Gilmar Mendes chegou a declarar que também seriam imprescritíveis os crimes de "terrorismo" político, praticados pelos opositores do regime, assim como o são os crimes cometidos pelos agentes de Estado no período. O que você responderia a essa afirmação?

DT: Primeiro, "terrorista" foi a ditadura militar, que derrubou um presidente eleito, jogou a Constituição na lata do lixo e perpetrou durante 21 anos crimes bárbaros contra nosso povo. Os agentes da ditadura foram estupradores de mulheres presas, torturadores de pessoas amarradas em cadeiras, assassinos que ocultaram os cadáveres de suas vítimas. Beira o desrespeitoso chamar de "terroristas" os brasileiros e brasileiras que resistiram ao terror praticado pela ditadura. Isso é posicionamento exclusivamente ideológico.

Em segundo lugar, os que lutaram contra a ditadura nada têm a temer, nada a esconder, nada a negar. Não negam sua luta, orgulham-se dela, ao contrário dos agentes que operavam nas sombras dos centros de tortura e morte da ditadura e hoje negam covardemente o que fizeram! Não conseguiriam mesmo assumir sua própria vergonha – imaginem a dor de seus filhos e netos se descobrirem ou confirmarem que foram gerados por torturadores, estupradores, homicidas, ocultadores de cadáveres e escondedores de arquivos!

Em terceiro lugar, os que combateram a ditadura e dela escaparam com vida já "pagaram" por sua conduta digna, e pagaram duramente, com tortura e prisão, com ou sem condenações naquelas auditorias militares dos anos de chumbo. Para que as feridas possam efetivamente se fechar, o país precisa oferecer aos criminosos da ditadura exatamente o que eles negaram às suas vítimas: acusações penais justas, isto é, não baseadas em provas extorquidas sob tortura, com garantia de amplo direito de defesa, o devido processo legal assegurado e, por fim, sentenças judiciais com direito a todos os recursos previstos na lei processual. Enquanto isso não acontecer, estaremos "fazendo de conta" que aqueles crimes também não aconteceram, o que, além de por si mesmo abominável, é um estímulo imenso, renovado todos os dias, para que as detenções extrajudiciais, a tortura dos presos pobres e seu assassinato se reproduzam nos dias de hoje.

A impunidade dos criminosos da ditadura funciona como uma espécie de "garantia" de impunidade para a violência policial de hoje. Isso já foi até academicamente demonstrado. Mas essa classe média egoísta e infantilizada pelo consumismo nem se dá ao trabalho de buscar entender por que, além dos pobres, também ela própria já começa a ser atingida.

CC: As forças armadas, que até hoje não se desculparam por seus atos de então, ao não renegarem o período em discussão, não se revelam ainda dominadas por alguns dos mesmos valores e conceitos de então?

DT: Enquanto não abrirem todos os arquivos daquele período vergonhoso, enquanto não localizarem e entregarem as ossadas dos desaparecidos, enquanto não se desvencilharem completamente, por atos e palavras, dos laços antigos com a ditadura militar e de todas as suas simbologias, nossas forças armadas conservarão sobre si a sombra dessa suspeita. Essa suspeita ficará pairando até sobre as cabeças dos democratas que devem existir no seu interior. O país precisa saber definitivamente se suas forças armadas aceitaram tornar-se incondicionalmente fiéis ao Estado de Direito.

Quarenta anos depois, especialistas apontam 'herança maldita' do AI-5

Ato publicado em 1968 mergulhou o país em fase mais sombria da ditadura.Para analistas, 'legado' da época sobrevive em práticas políticas até hoje.
Amauri Arrais Do G1, em São Paulo
Depois de 40 anos da aprovação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), não ficaram apenas as lembranças de perseguição e tortura do regime militar brasileiro (1964-1985), segundo acadêmicos ouvidos pelo G1. Para eles, muitas das práticas iniciadas na época deixaram marcas na forma como hoje se faz política no país.
O texto, aprovado numa sexta-feira 13 de dezembro de 1968, deu plenos poderes ao presidente-marechal Artur da Costa e Silva e, entre outras medidas, permitiu o fechamento do Congresso, a intervenção do governo federal nos estados, a censura prévia e suspendeu o habeas corpus em casos de crimes políticos ( leia a íntegra do AI-5 ).
A professora de ciência política Maria Antonieta Leopoldi, da Universidade Federal Fluminense (UFF), vê pelo menos dois legados negativos do AI-5 nos dias de hoje.

Para ela, ao contrário dos militantes que entraram para a luta armada – como o ex-ministro José Dirceu e o petista Vladimir Palmeira – e foram exilados, toda uma geração de jovens não voltou para a política. “O autoritarismo inibiu toda a formação de uma nova classe política. A não ser desses que eram líderes estudantis e foram para a luta armada, foram exilados e se politizaram no exterior. Os que ficaram [no país], ficaram em universidade sob intervenção, com muito medo, sem poder participar da vida política e foi um silêncio para a formação dessa classe”, afirma.
É desta época também, segundo a pesquisadora, a herança de uma autonomia da área do governo que, afirma, perdura até hoje. Para ela, o fato de as equipes econômicas não prestarem contas ao Congresso sobre a política de juros altos é um legado da época.
“O Delfim Netto [então ministro da Fazenda] se tornou um verdadeiro ‘czar’ da economia. Os militares queriam que o Brasil crescesse, não interessava a maneira de governar. Delfim monta uma área econômica com pessoas leais a eles e criaram esse insulamento burocrático – hoje a gente paga esse preço do Ministério da Fazenda e do Banco Central que não tem muitos canais de comunicação com a sociedade”.
O G1 tentou falar com o ex-ministro Delfim Netto, um dos signatários do AI-5, que afirmou, por meio de sua assessoria, que já havia falado tudo sobre o período aos livros de história.
O professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer diz ver com “estranheza” a relutância do governo Lula, após seis anos, para abrir os arquivos da época, apesar das cobranças de entidades de direitos humanos e até de integrantes do próprio governo.
“Tem muita gente de destaque no governo Lula que foi atingida duramente na luta contra o regime militar naquele período. A minha impressão é que o pessoal do governo Lula tem uma certa apreensão com relação às Forças Armadas”, afirma. O cientista político lembra o episódio recente em que as Força Aérea rechaçou, com apoio do Exército e Marinha, a punição a acusados de tortura durante o regime militar.

MPs e violência

Já para o professor de sociologia da Unicamp Marcelo Ridenti o excesso de medidas provisórias editadas pelos governos é uma versão atual do decreto-lei, instituído pelo AI-5 e que não precisava passar pelo Congresso.
“Elas [as medidas provisórias] que até hoje o governo tem legislado muito com elas são herdeiras de uma prática autoritária. É um jeito de governar com o Executivo no comanda o tempo todo”, compara o professor, um dos organizadores do volume “O golpe e a ditadura militar, 40 anos depois, 1964-2004” (EDUSC, 2004).
Outra “herança maldita” da época, segundo Ridenti, é a tolerância da sociedade brasileira à prática de tortura.

“É um tipo de prática da política que continua vigorando até hoje para presos comuns. É sabido que nas delegacias de policia, embora seja ilegal, você tem confissões por meio de torturas. É um legado também complicado dessa época, do AI-5 que, de certa maneira, deu condições para acobertar essa situação”, afirma.
O professor cita como exemplo o recente caso de um cabo da Polícia Militar, absolvido da acusação de homicídio em júri popular, que matou o menino João Roberto, de 3 anos, ao confundir o carro da família com o de bandidos.
“É justamente essa a mentalidade. Houve um engano, mas se fosse um bandido, você poderia punir com crime de morte? É a violência social incorporada pelas pessoas no dia-a-dia. O período da ditadura deu muita margem para que autoridades politicias exercessem arbitrariedades. A decisão do júri mostra que está incorporada em parte significativa da sociedade essa mentalidade violenta: a polícia tem que matar bandido. Se matar algum inocente por acaso, paciência”, critica.
Legado 'positivo'
Se é possível ver aspectos positivos do período chamado de “ditadura dentro da ditadura”, a professora Maria Antonieta Leopoldi aponta o regime militar brasileiro como um dos únicos que manteve, na maior parte do tempo, partidos políticos, Congresso e eleições presidenciais com mandato.
“No Brasil, mesmo com um Congresso controlado e partidos que o regime militar criou, você teve uma vida política partidária, fragmentada mas houve. Isso permitiu uma transição mais tranqüila à democracia. Partidos como o PDT e o PT são formados em 79, com a abertura”, lembra.
Para Marcelo Ridenti, embora seja uma “época terrível da história do Brasil”, não se deve ocultar o fato de que houve uma certa modernização da sociedade brasileira, que chama de “modernização autoritária”.
“Outras ditaduras da América Latina foram retrógradas do ponto de vista econômico. No Brasil, se promoveu um certo desenvolvimento, ainda que com preço político absurdo. Houve avanços nas áreas de educação, comunicações. Não se pode imaginar que os militares eram demônios. Atuaram num processo político contraditório.”

40 anos após AI-5, governo concede anistia a ex-presos políticos


Folha on line/JL
Às vésperas dos 40 anos do Ato Institucional nº5, o Ministério da Justiça promoveu nesta sexta-feira evento para lembrar o ato e também discutir seus significados na política do regime. Durante o encontro, a Comissão de Anistia --ligada ao ministério-- também realizou o julgamento de quatro ex-presos do regime militar.

O presidente da comissão, Paulo Abrão, afirma que a proposta, ao revisar o tema, é discutir seus reflexos ainda bastante presentes na atualidade. Segundo ele, ainda há na sociedade uma "cultura do medo" que pode ser associado às barbáries cometidas durante o regime militar.

"A cultura de subserviência que o povo mais humilde ainda tem perante autoridades, entendendo que a participação na vida cidadã não é um objeto apropriado a toda a população. O estereótipo que os movimentos sociais ainda sofrem como subversivos, dentro de uma lógica que é do regime autoritário. O sentimento de injustiça que os brasileiros ainda têm sobre os torturados. Abusos das funções publicas em plena democracia, como a prática da tortura. Tudo isso ainda é reflexo do AI-5", afirma Abrão.

No julgamento de hoje, a comissão decidiu que o governo deve pagar indenização no valor de R$ 310 mil, mais R$ 2.000 mensais ao ex-militante de organizações armadas, Jorge Raimundo Nahas --preso, torturado e condenado por infringir a Lei de Segurança Nacional.

Délio de Oliveira Fantini, militante da organização Corrente Revolucionária, de Minas Gerais, também receberá a indenização do Estado. O valor estipulado para ele será de R$ 100 mil, sem remuneração mensal.

Já falecidos, os ex-deputados Paulo Macarini e Marcílio Doutel --que tiveram seus direitos políticos cassados durante o regime-- também foram anistiado e suas viúvas receberão indenizações no valor de R$ 100 mil.

"A importância [da anistia] é resgatar a honra e promover uma retratação pública por parte do Estado a essas pessoas", afirma Abrão.

Balanço

Criada em 2001, a Comissão da Anistia já recebeu 62 mil pedidos de anistia por casos de perseguição política ocorridas entre 1946 até 1988.

Até agora, a comissão informa já ter julgado 38 mil casos. Destes, 13 mil foram indeferidos e 25 mil deferidos --cerca de 10 mil com direito a indenizações. Nos demais casos, o requerente recebeu pedidos formais de desculpas por parte do Estado.

AI-5: Ato estimulou o processo de violência, diz Tarso Genro

Vasconcelo Quadros e Karla Correia , Jornal do Brasil

BRASÍLIA - Dentro do governo, o ministro da Justiça, Tarso Genro, é uma das vozes mais ativas na defesa do conceito de que o crime de tortura não prescreve, discurso que retoma feridas ainda mal cicatrizadas na relação entre sociedade e militares. Em entrevista ao JB nos 40 anos de decretação do AI-5, o ministro lembra os resquícios de problemas nesse relacionamento e prega o acerto histórico com esse passado. A seguir, os principais trechos da conversa.
O que foi o AI-5?
Foi um momento de virada do próprio regime militar, que a partir daquele momento sufocou a possibilidade de resistência pela legalidade, para a retomada do projeto democrático no Brasil, que foi interrompido em 68. Foi um estímulo, na verdade, ao processo de violência que depois ocorreu entre os resistentes do regime e a ditadura militar.
Onde o senhor estava quando o ato foi editado?
Em 1968 eu já estava no quarto ano da faculdade de direito. Lecionava, estudava e também trabalhava no escritório de advocacia do meu pai e militava. Já naquela época eu pertencia a uma dissidência do PC do B e militava no velho MDB.
O que mudou no Brasil nesses 40 anos?
Eu enxergo três mudanças fundamentais. Primeiro, há um avanço na cultura democrática do país, em todas as classes sociais. Em segundo lugar, há um avanço institucional no Estado brasileiro. O Estado está melhorando, está mais consistente, inclusive mais transparente. E o terceiro avanço, acho que há um processo de recoesão social do Brasil com a diminuição da desigualdade.
O clima político favorece a elucidação das pendências deixadas pelos militares, como a tortura?
Acho que nós vamos ter um momento importante agora com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) daquela ação da Ordem dos Advogados do Brasil. O STF vai fazer a interpretação da Lei da Anistia em última instância. O meu entendimento é que os crimes cometidos por indivíduos – e que inclusive não eram sequer abrigados pelos regulamentos, pelas leis da ditadura – não são crimes políticos, portanto não são passíveis de anistia. Quando se fala em investigar e punir torturadores, não está se falando em Forças Armadas, porque não se trata de fazer o inquérito sobre a instituição, mas sim de indivíduos civis e militares que violaram o seu próprio mandato como servidores públicos.
É favorável à criação da Comissão da Verdade?
Acho que se fosse um ato do Congresso Nacional seria altamente positivo.
O que restou do período autoritário?
Não existem seqüelas estruturais, seqüelas brutais. Existem resíduos, resquícios. E são resquícios importantes, porque atingem a uma parcela da população brasileira. E um país que quer afirmar um estado de direito soberano, um estado de direito maduro, um estado de direito que abranja a todos os cidadãos, é obrigado a também tratar desses resquícios que ainda sobram.
Quais são?
A questão da tortura, por exemplo, as respostas que a Comissão de Anistia está dando para reconhecer, pelo Estado brasileiro, as injustiças que cometeu, e a qualificação do sistema de segurança pública no Brasil, como hoje, de um novo conceito de segurança nacional. Se é uma segurança do estado de direito democrático, não vai haver segurança nacional orientada pela guerra fria.
Quais as propostas?
É que a segurança pública, como dever do Estado e responsabilidade de toda a sociedade, tem que ser uma segurança que proteja o cidadão e que as forças policiais, os aparatos de segurança do Estado, não sejam vistos como um ciclo de violência e um ciclo de arbítrio. Enfim, precisam ser vistos como protetores do direito da cidadania, contra o crime e contra a violência.
O que o senhor vivenciou durante a vigência do AI-5?
Do ponto de vista pessoal a memória que eu tenho é a retomada do arbítrio do Estado, que já tinha a cassação dos direitos políticos do meu pai. E do ponto de vista mais social, uma visão de que a sociedade brasileira ia ser mais elitizada e mais mais violenta.
O que precisa ser melhorado?
Por exemplo, as formas mais adequadas de participação da sociedade civil na decisão sobre políticas públicas, a ampliação do acesso à Justiça, a qualificação do aparato policial para trabalhar dentro do estado de direito democrático e a realização de uma reforma política, para dar mais autenticidade para a esfera da política e livrar a política das conveniências meramente regionais e das articulações oligárquicas que ainda pairam sobre a maioria dos partidos no país.
O senhor acha que é possível contemplar essas idéias dentro de uma discussão mais ampla?
Tudo indica que é possível começar a mudar. Uma mudança como essa nunca é rápida. Se você não analisar o aperfeiçoamento do aparato policial e de segurança dos estados que fizeram essas mudanças recentemente você fica sabendo que a mudança é uma mudança institucional, é uma mudança relacionada com recursos, é uma mudança relacionada com a qualificação do trabalho policial, qualificação científica, investimento no homem, no ser humano.
Voltando à questão do AI-5 e dos resquícios, sempre que o governo propõe uma revisão na questão da tortura e a área militar reage. Não está na hora de fazer esse acerto histórico com esse passado?
Não há nenhuma proposta de processo inquisitório sobre o papel das Forças Armadas durante o regime militar. Isto é uma formulação que algumas pessoas fazem para tentar se abrigar em um risco de prestígio que as Forças Armadas têm e que devem continuar tendo. O que nós estamos tratando e como estamos tratando disso não é do papel das Forças Armadas no regime militar e sim de indivíduos fugindo da sua responsabilidade que comeram atos de barbárie, atos de tortura. E o país que não tratar dessas questões é um país que não muda a sua cultura para a adequá-la a um estado democrático de direito desenvolvido.
[01:32] - 13/12/2008 -

GOVERNO RESPONDERÁ À AÇÃO QUE CONTESTA ANISTIA A MILITARES

AGÊNCIA BRASIL 07/12/08

O governo encaminha nesta semana ao Supremo Tribunal Federal (STF) sua manifestação sobre a ação que contesta a anistia concedida a militares acusados de tortura durante a ditadura militar. No documento, o governo não assumirá ser favorável ou contra a tese de que os crimes de tortura não foram beneficiados pela Lei de Anistia, de 1979. Para evitar uma crise interna, o governo determinou à Advocacia-Geral da União (AGU) que coletasse as opiniões dos ministérios da Defesa, Justiça, Casa Civil e Secretaria de Direitos Humanos e as encaminhasse diretamente ao Supremo. O presidente Lula, que não precisará se pronunciar sobre o assunto, quer tirar o governo desse debate e deixar para o Judiciário a decisão sobre a punição ou anistia aos torturadores A ação, protocolada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), é relatada pelo ministro Eros Grau, que foi preso e torturado durante o regime militar. Mais vale a lágrima da derrota do que a vergonha de não ter lutado!

AGU mais uma vez impede o direito à Verdade e à Justiça

GRUPO TORTURA NUNCA MAIS - RJ

No último dia 14 de outubro, a Advocacia Geral da União – AGU, através de seu titular, assumiu a defesa dos coronéis de reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel, réus de uma ação pública ajuizada junto a 8ª Vara Federal Civil de São Paulo, pelos Procuradores da República no Estado de São Paulo, Eugênia Fávero e Marlon Weichert, que os acusa de responsáveis pela tortura e morte de pelo menos sessenta e quatro presos políticos, entre 1970 e 1976, no DOI-CODI/SP, época em que esses coronéis chefiavam este centro de torturas.

Não é a primeira vez que a AGU entra em cena para tentar impedir o direito à Verdade e à Justiça. Em 2003, este mesmo órgão federal apresentou ao Tribunal Regional Federal em Brasília apelação contra a sentença da Juíza da 1ª Vara Federal, que compeliu a União a fornecer informações militares de todas as operações realizadas no combate à Guerrilha do Araguaia, indicando inclusive o local onde estariam sepultados os restos mortais das pessoas envolvidas.

Com o argumento de que na petição inicial do processo contra a União não foram pedidos esclarecimentos sobre os aludidos fatos, a AGU, em nome da UNIAO, recorreu pedindo a anulação da sentença, cujo resultado prático terminou por invalidar a decisão que determinou a liberação de documentos das Forças Armadas sobre a Guerrilha do Araguaia.

Hoje, novamente a historia se repete. Utilizando argumentos banais, a contestação da AGU no caso dos ex-comandantes do DOI-CODI/SP alega que: “É necessário ao Estado preservar a intimidade de pessoas que não desejam “reabrir feridas”.

Em ambos os casos a AGU procede de forma perversa e abominável, acobertando aqueles que foram responsáveis por crimes contra a humanidade. Mais uma vez o Brasil caminha na contra-mão da história.

Segundo o presidente do Centro Internacional de Justiça de Transição - ICTJ, Juan Méndez, em um parecer assinado no dia 15 de setembro de 2008, o Brasil viola a Convenção Continental de Direitos Humanos e pode sofrer sanções de Tribunais Internacionais ao justificar o arquivamento de processos que investigam os crimes da ditadura com a alegação de que prescreveram e não podem ser avaliados devido a Lei da Anistia, assinada em 1979.
O momento é de cobrança. O atual governo quando inaugura “Centros de Memória”, passa para a opinião pública a imagem de que existe o “compromisso político com o regate da nossa memória histórica” e para ser coerente precisa abrir os arquivos secretos do terror e demonstrar de forma inequívoca que não está fazendo a defesa de conhecidos torturadores, quando poderia - e deveria - se posicionar a favor das decisões da Justiça.

Vergonha! Esse é o sentimento que despertam tais expedientes que apenas encobrem os crimes cometidos durante o período da ditadura militar brasileira.

Somos pela abertura dos arquivos da ditadura; pela localização dos corpos dos desaparecidos e apuração das circunstancias em que ocorreram as suas mortes; pela identificação e responsabilização dos torturadores e pela imediata constituição da Comissão de Verdade e Justiça.

Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de JaneiroGrupo Tortura Nunca Mais da BahiaMovimento Tortura Nunca Mais de Minas Gerais e Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania

Pela Vida, Pela Paz! Tortura Nunca Mais!
Rio de Janeiro, 16 de novembro de 2008