quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Entrevista - LUIZ EDUARDO GREENHALGH

Por LEONARDO ATTUCH


No Natal de 1976, o jovem advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, à época com 28 anos, ganhou projeção nacional ao denunciar a tortura sofrida nos porões da ditadura pelo militante comunista Aldo Arantes, capturado e levado ao DOI-Codi paulista numa ação que entrou para a história como a "Chacina da Lapa". Desde então, a trajetória do advogado esteve intimamente ligada à questão dos direitos humanos. Greenhalgh, por exemplo, hoje lidera o processo judicial pela abertura dos arquivos do Araguaia. Em entrevista à ISTOÉ, ele diz que o ministro Tarso Genro fez bem ao reabrir o debate sobre a punição aos torturadores, mas diz que a situação brasileira é diferente da de países como a Argentina. "Aqui, a anistia foi conquistada dentro da ditadura; lá, veio com a queda do regime", diz ele. "Além disso, no Brasil a reparação financeira veio antes da discussão sobre as penas." Greenhalgh defende um modelo semelhante ao que a África do Sul implantou após o apartheid. Nesta entrevista à ISTOÉ, ele também se defende das acusações que sofreu na Operação Satiagraha, da Polícia Federal.

ISTOÉ - Como o sr. vê o debate sobre a punição aos torturadores da ditadura?
Luiz Eduardo Greenhalgh - Eu fui presidente do Comitê Brasileiro pela Anistia e, em 1979, nós fizemos um projeto de lei que perdeu na sessão do Congresso Nacional que aprovou a Lei de Anistia. Nosso projeto era de anistia ampla, geral e irrestrita, que não contemplava nenhum perdão aos torturadores. O projeto que acabou sendo aprovado foi aquele feito pelo presidente João Figueiredo, de anistia restrita, que tinha a idéia de que se consideravam conexos aos crimes políticos anistiados aqueles cometidos pelos funcionários públicos, os agentes do Estado.

ISTOÉ - Isso encerra o assunto?
Greenhalgh - Não. Pela Constituição Federal de 1988, o crime de tortura é imprescritível, inafiançável e jamais sujeito ao perdão. É um crime permanente, de lesa-humanidade. Além disso, do ponto de vista jurídico, aquela tese do projeto do Figueiredo é inconsistente, porque jamais se pode considerar a tortura como um crime político.

ISTOÉ - Portanto, o ministro Tarso Genro tem razão?
Greenhalgh - Do ponto de vista jurídico, sim. Mas a Lei de Anistia é uma lei jurídica, mas também política. E do ponto de vista político, nós ainda não temos condições suficientes na opinião pública para estabelecer a punição a esses crimes.

ISTOÉ - Mas, se for feita uma sondagem na rua, 99% das pessoas serão favoráveis à punição. O que determina a condição política?
Greenhalgh - Primeiro, já decorreram quase 30 anos da Lei de Anistia. Segundo, a sociedade brasileira não coloca essa questão como um tema prioritário. Portanto, é necessário que se estabeleça um movimento nacional para que esse assunto seja antes debatido e, depois, incorporado à ordem política. Aliás, como se fez na Argentina.

ISTOÉ - A situação do Brasil difere da de Argentina e Chile.
Greenhalgh - Sim. Lá, as mães da Praça de Maio, os familiares e as avós foram para cima dos torturadores. E muitos se recusaram a usar dos benefícios financeiros e indenizatórios da anistia para manter acesa a chama da necessidade da Justiça. Eu vejo uma diferença entre os movimentos das vítimas da ditadura militar do Chile e da Argentina em relação a nós. É por isso que lá há torturadores condenados e presos. Além disso, o general Pinochet morreu em prisão domiciliar.

ISTOÉ - A diferença se deve ao fato de a ditadura brasileira ter sido mais branda?
Greenhalgh - Do ponto de vista quantitativo, medindo pelos 453 mortos e 144 desaparecidos, ela foi mais branda. Mas, do ponto de vista qualitativo, não. A repressão feita no Brasil foi aquela que se espraiou para a Argentina e para o Chile.

ISTOÉ - As vítimas aqui deram prioridade às reparações?
Greenhalgh - Mais ou menos isso. Logo depois da anistia, as pessoas que lutaram por ela passaram a ter um novo horizonte político. Nós, por exemplo, começamos a discutir o PT. Houve uma reinserção quase plena. Primeiro, foram legalizados os partidos políticos, depois veio a Constituinte e o processo culminou com as eleições presidenciais de 1989. Isso foi um processo de massas, que nasceu em plena ditadura. Fomos ocupando as ruas, as mentes e os corações. E os que conquistaram a anistia se engajaram em outras lutas. Depois, essa questão ficou restrita aos interessados mais diretos. E o Estado brasileiro, revanchista que é, retardou ao máximo as reparações. Eu tenho casos de 1982.
ISTOÉ - Quantos casos o sr. defendeu?
Greenhalgh - Eu estou beirando os mil casos.

ISTOÉ - E qual foi o mais marcante?
Greenhalgh - O da chamada Chacina da Lapa, que aconteceu em 16 de dezembro de 1976. Havia uma reunião do comitê central do Partido Comunista do Brasil e os militares invadiram a casa, mataram algumas pessoas, como o Pedro Pomar, e prenderam outras como o Aldo Arantes, o Vladimir Pomar e o Haroldo Lima, atual presidente da Agência Nacional do Petróleo.

ISTOÉ - O que o marcou?
Greenhalgh - A Lei de Segurança Nacional estabelecia dez dias de incomunicabilidade. A chacina aconteceu num 16 de dezembro e o décimo dia seria o Natal. Eu então obtive uma autorização judicial para quebra da incomunicabilidade do Aldo, do Vladimir e do Haroldo. Quando cheguei ao Dops, o delegado Sérgio Paranhos Fleury rasgou a ordem judicial. Eu a recolhi no lixo e disse que, então, levaria ao juiz. O Fleury se assustou e me permitiu falar com os presos. Quando falei com o Aldo, tomei consciência da tortura. Havia marcas de cigarro no corpo, choques nos dedos, no saco escrotal e marcas do pau-de-arara. Ele me disse que não agüentaria uma nova sessão de tortura. Quando veio o Vladimir e me disse que estava preocupado com o pai, eu mesmo dei a ele a notícia do assassinato, no que foi um dos momentos mais tensos da minha vida. Ao sair do Dops, o Fleury me ameaçou.

ISTOÉ - O que ele disse?
Greenhalgh - Que, se cruzasse comigo, seria o meu fim. Mas disse também que respeitava pessoas de coragem. Na saída, ele estendeu a mão, mas eu não o cumprimentei. Depois, saí do Dops numa tremedeira. Demorei dez minutos para conseguir atravessar a rua. Depois, o Jornal da Tarde noticiou a tortura do Aldo Arantes e esse caso me deu uma certa notoriedade.

ISTOÉ - Tendo visto a tortura do Aldo Arantes, como o sr. não abraça a tese do ministro Tarso?
Greenhalgh - Eu aprovo a posição dele, mas defendo que antes ocorra um debate nacional. O Tarso quer isso, mas o Lula já disse que é contra. A própria ministra Dilma Rousseff, que foi uma das pessoas mais torturadas do País, é contra. Além disso, há casos, como o do processo movido pela família Teles contra o coronel Carlos Alberto Ustra, que vêm sendo acolhidos pelo Judiciário.
ISTOÉ - O que o sr. defende?
Greenhalgh - Que o governo institua uma Comissão da Memória e da Verdade, assim como o Nelson Mandela fez na África do Sul, depois do apartheid. Lá, a comissão foi presidida pelo bispo Desmond Tutu e as pessoas que prestavam depoimento, assumindo compromisso com a verdade, ficavam livres das penas. Assim, seria possível reescrever a história da ditadura e estabelecer um fato histórico incontroverso.

ISTOÉ - Como o sr. vê a questão dos arquivos secretos do Araguaia? Greenhalgh - É a ação que está mais perto de apresentar resultados. Já transitou em julgado, depois de um longo processo. Ingressamos com o processo em 1982, quando o governo brasileiro nem sequer reconhecia a existência da guerrilha do Araguaia. Consolidamos a prova, mas a União sempre recorreu, inclusive no governo do PT, alegando razões de Estado.
ISTOÉ - Recentemente, o sr. advogou para diversas pessoas que ganharam indenizações milionárias. Como o sr. encara a crítica aos valores pagos?
Greenhalgh - Eu não me assusto com os valores. São quantias que deveriam ter sido pagas há 30 anos. Se tivessem quitado lá atrás, as indenizações teriam sido muito reduzidas. Como o Estado brasileiro negou o direito de anistia, muitos se espantam.

ISTOÉ - Mas não há excessos?
Greenhalgh - Sim. Tem muita gente que se montou na anistia. Não foi perseguido político e entrou com pedido de indenização. É bom lembrar que o AI-5 punia não só a subversão como também a corrupção. Mas hoje, honra seja feita, na atual comissão do Ministério da Justiça, há um rigor muito grande.

ISTOÉ - O sr. é acusado de ter recebido milhões nesses processos.
Greenhalgh - Isso é uma grande calúnia. Não há nenhum anistiado político neste país que tenha condição moral de dizer que deu um centavo a mim. Nunca cobrei dos meus clientes em processos ligados a mortos, desaparecidos e anistiados. É um trabalho voluntário. No Ministério da Justiça, eu tenho uns 200 processos, num universo de 50 mil.

ISTOÉ - Como está a sua vida fora de Brasília? Há o desejo de voltar à política?
Greenhalgh - Eu sou um militante. Fui derrotado na última eleição e voltei a advogar.

ISTOÉ - Um dos seus clientes, o banqueiro Daniel Dantas, é bastante polêmico.
Greenhalgh - Eu advogo para uma base social com determinadas características. O padre Júlio Lancelotti, na questão dos direitos humanos, o Cesare Battisti, que é um refugiado político, e também para as famílias do Araguaia. No caso do Daniel Dantas, que é uma pessoa controversa, muitas vezes o que acontece com ele respinga em mim. Eu informei à Ordem dos Advogados sobre os procedimentos que tomei como advogado.

ISTOÉ - Como o sr. foi acusado de atuar como lobista, há algo que o preocupe?
Greenhalgh - Não, nenhum receio quanto ao que possa ocorrer a mim. O que me assusta é que viramos uma grande grampolândia. As pessoas vêm tendo a intimidade devassada de forma abusiva e isso ocorre, na maioria das vezes, sem autorização judicial. Muitos desses grampos clandestinos acabam sendo usados como instrumentos de chantagem. Estamos à beira de um Estado policialesco, sem nenhum tipo de controle.

ISTOÉ - O governo se deu conta desses riscos?
Greenhalgh - Não sei.

ISTOÉ - Uma de suas conversas com Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente Lula, foi interpretada como tráfico de influência. Como o sr. reage a isso?
Greenhalgh - Antes de ser governo, quando ainda éramos oposição, sempre que eu via algo com importância política, eu me dirigia às autoridades. Um exemplo: na investigação da morte do Celso Daniel, certo delegado resolveu invadir o apartamento dele e, para tanto, informou diversos canais de televisão, que montaram links em Santo André. Naquela ocasião, quando eu soube, liguei imediatamente para o então ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira. Ele pediu meu telefone e mandou o chefe da Polícia Federal me procurar. Quinze minutos depois, o dr. Agílio Monteiro ligou para a minha casa, dizendo que iria encerrar o assunto e recolher o delegado.

ISTOÉ - Há um paralelo entre essa história e a Operação Satiagraha?
Greenhalgh - No atual governo, em determinado momento, soube que um cliente meu, Humberto Braz, estava sendo seguido ostensivamente no Rio de Janeiro. Eu não liguei para o Gilberto Carvalho imediatamente. Só o procurei depois que o Humberto acionou a polícia do Rio e os homens que o seguiam se identificaram como agentes a serviço da Presidência da República. O que me choca nesse episódio é que eu tenha que dar explicações, e não os chefes da Abin, a Agência Brasileira de Inteligência, que mobilizaram 40 homens numa operação clandestina.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

DOPS não escapará do juiz espanhol Garzón

No Correio do Brasil desta terça-feira, Rui Martins informa que o senador Romeu Tuma, do DEMO, está encrencado com o juiz espanhol Baltasar Garzón. O juiz é o intrépido caçador de crimes de lesa-humanidade que acabou com a velhice tranqüila do general Augusto Pinochet.

Segundo Martins, Garzón substitui as almas dos mortos, assassinados depois de torturados, a fazer assombração junto aos que vivem tranqüilos na hipocrisia de bons pais e avós de famílias. Mesmo com tantos crimes nas costas, nem todos os assassinos terminam atrás das grades. Já velhos ou doentes podem mesmo se beneficiar de uma tolerância que suas vítimas não tiveram.

Ele lembra o caso de Filinto Müller, chefe de polícia da ditadura Vargas e autor da entrega de Olga Benário aos carrascos de Hitler. Müller escapou de qualquer castigo humano e acabou líder de sustentação política, no Senado, de outra ditadura, a de 64. Morreu carbonizado em acidente da Varig, em Paris. Um “inferno ardente” é onde Garzón costuma jogar seus condenados.

Agora, a Espanha está no encalço do gentil senador Romeu Tuma. O motivo? O ressurgimento, 35 anos depois, dos ossos e do fantasma de uma das tantas vítimas da repressão brasileira, o espanhol Miguel Sabat Nuet, assassinado no DOPS, em outubro de 1973. Naquela época, o então delegado Tuma dava formato “legal” às ações policiais que torturavam e “suicidavam” presos políticos.

Matéria da Folha de S Paulo, de outubro de 2000, revelou que o corpo do espanhol foi mais um de tantos indigentes e vítimas da ditadura lançados em vala no cemitério de Perus. Para Rui Martins, Garzón não deixará o fato ficar mais tempo encoberto e, mais ou menos dias, tudo virá a público.

domingo, 14 de setembro de 2008

ASSASSINADO PELA DITADURA

Sexta-Feira, 05 de Setembro de 2008

Justiça para Luiz Eduardo Merlino

Antônio Augusto*

Nesta terça, 19 de agosto, o desembargador Hamilton Elliot Akel, do Tribunal de Justiça de São Paulo, se pronuncia sobre o recurso dos advogados do coronel Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi paulista, contra a ação que visa responsabilizar o militar pelas torturas e assassinato do jornalista Luiz Eduardo Merlino, ocorrido em 19 de julho de 1971.
Os outros dois desembargadores afeitos ao caso já externaram suas decisões: Luiz Antonio de Godoy manifestou-se favorável a Ustra e Carlos Augusto de Santi Ribeiro, contra. Antes, ao acolher a ação movida por Regina Merlino e a historiadora Ângela Mendes de Almeida, respectivamente, irmã e ex-companheira do jornalista, o juiz Carlos Henrique Abrão considerou que "o assunto não trata de privilégio decorrente da lei de anistia, mas disciplina ação de natureza imprescritível".
Ao morrer, Merlino tinha 23 anos incompletos. Apesar da juventude, devido ao seu talento, já era muito conhecido no meio jornalístico de São Paulo. Trabalhou na Folha da Tarde, no Jornal da Tarde, esteve entre os fundadores do Amanhã, um dos criativos e democráticos jornais dirigidos por Raimundo Rodrigues Pereira.Luiz Eduardo, quando ainda secundarista, já começara a se interessar por política e participara do Centro Popular de Cultura (CPC) animado pela UNE.
Ao ser preso, era militante do Partido Operário Comunista (POC), um pequeno agrupamento integrante da resistência democrática ao regime ditatorial.O massacre de Merlino: “Ou cortavam suas pernas ou morria. Deixa morrer”Merlino foi capturado sem ordem judicial - claro, na ditadura inexistiam quaisquer garantias individuais e legais, ainda mais nos anos de chumbo de Médici - na casa de sua mãe, em Santos, no dia 15 de julho de 1971, quando já passava das 21h.
A mãe, a irmã Regina e uma tia assistiram à prisão. Dali foi levado para a capital do estado, rumo ao inferno da Rua Tutóia, sede do DOI-Codi paulista, comandado pelo então major Ustra, que escondia sua identidade dos prisioneiros e se apresentava como o “major Tibiriçá” para não ser identificado.
Segundo o registro do livro “Direito à Memória e à Verdade”, editado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, ligada à Secretaria Especial de Direitos Humanos, da Presidência da República, Merlino recebeu logo o tratamento.habitual do DOI-Codi: “foi barbaramente torturado por 24 horas ininterruptas e abandonado numa solitária, a chamada cela forte, ou xis-zero”.
Havia três turmas de tortura na rotina do DOI-Codi, elas se revezavam a cada 8 horas para garantir a permanência das torturas durante todo o dia.e toda a noite. Guido Rocha, um preso político também estraçalhado fisicamente pelas torturas, já se encontrava na “cela forte” quando jogaram Merlino lá. Uma das últimas pessoas a vê-lo com vida, Guido deu depoimento gravado ao jornalista Bernardo Kucinski a respeito do que presenciou: “Eu também estava arrebentado, então eles não se importaram comigo e trouxeram ele para minha cela para fazer o teste de reflexo. Vieram, fizeram o teste de reflexo no joelho e não tinha resposta nenhuma.”
“Depois que fecharam a porta Merlino começou a piorar muito, logo em seguida. À noite começou a se sentir mal, estava bem pior. Eu não me lembro dele ter comido nem uma vez... porque ele tentava comer e vomitava sangue. Aí ele começou a mudar, a ficar nervoso, falou que estava piorando... vomitou sangue outra vez. Eu tentei acalmá-lo. Ele pediu que eu o colocasse sentado. Merlino nunca ficou em pé desde o primeiro dia. Para ir a privada precisava carregar ele. Eu e um guarda. Bem, eu tentei acalmá-lo, comecei a dizer a ele para respirar fundo, fazer a respiração de ioga, manter um pouco de calma. Mas ele ficou muito nervoso e falou: ‘chama o enfermeiro rápido que eu estou muito mal, a dormência está subindo, está nas duas pernas e nos braços também’. Aí eu bati na porta com força e gritei e vieram o enfermeiro e alguns torturadores, policiais, os mesmos que já haviam me torturado e torturado a ele também. Vieram e o levaram”.“Nunca mais eu vi ele”.
Guido Rocha tempos depois iria para o Presídio de Linhares. “Eu dei o nome a minha cela de Luiz Eduardo Merlino; era hábito nosso, os presos políticos, dar o nome à sua cela de um companheiro que tinha sido assassinado pela repressão”, ele conta.
A herança de Merlino
O escritor, historiador e professor Joel Rufino dos Santos, ex-preso político, amigo de Merlino, relata outro fato terrível: “1973. Um torturador da Operação Bandeirante [organismo da repressão que antecedeu o DOI-Codi, também comandado por Brilhante Ustra], Oberdan, cismou de falar comigo sobre Merlino. Não morreu como vocês pensam. Foi para o hospital passando mal. Telefonaram de lá para dizer que ou cortavam suas pernas ou morria. Fizemos uma votação. Ganhou deixar morrer. Eu era contra. Estou contando porque sei que vocês eram amigos”. Um dos livros de Joel Rufino é dedicado à memória de Merlino.
O escritor e jornalista Renato Pompeu recorda, além da inteligência, a “inusitada” maturidade política de Merlino para alguém tão jovem. Michael Löwy, um intelectual de grande reconhecimento internacional, foi companheiro de Merlino. Dá um testemunho emocionado sobre ele: “É destas pessoas que ficam para sempre gravadas na memória de quem as conheceu, por mais que passem os anos. O que o levou a tomar a decisão que tomou, e lhe custou a vida, foi simplesmente um sentimento de dever, uma ética, um compromisso com os companheiros de luta.
É por isto que a memória dele continua tão viva e presente, não só no Brasil, mas também na França e em outros países em que se conheceu sua história. A herança que ele nos deixa é a de seguir lutando, para que nunca mais o Brasil conheça a opressão, a violência policial, a tortura”.A crueldade contra Merlino se estendeu à sua família.
O DOI-Codi inventou um suicídio fantasioso, historinha costumeira dos torturadores, relatado à sua mãe, Iracema. O prisioneiro teria se jogado embaixo de um carro, na BR-116, em Jacupiranga. Dois médicos legistas a serviço da ditadura, Isaac Abramovitc e Abeylard Orsini, assinaram o laudo para tentar justificar a farsa. A família não acreditou em nenhum momento.
A sobrinha de Merlino, a jornalista Tatiana Merlino, descreveu em artigo recente, no Brasil de Fato, como os fatos se passaram: “Como o corpo não foi entregue, dois tios e o cunhado de Merlino, Adalberto Dias de Almeida, então delegado de polícia, foram ao IML de São Paulo. O diretor do Instituto negou que o corpo estivesse ali, mas usando do fato de ser delegado, o cunhado burlou a vigilância e foi em busca do corpo de Merlino. Encontrou-o com marcas de tortura em uma gaveta sem identificação. O corpo do jornalista foi entregue à família num caixão fechado".Jornalistas amigos de Merlino foram até Jacupiranga e não encontraram nenhum sinal do suposto atropelamento ou outro acidente de trânsito ocorrido naquele ponto, no dia indicado.
O veículo que o teria atropelado nunca foi identificado nem foi feita ocorrência no local do fato.Reparação é para o BrasilImpedida de noticiar a morte de Merlino, somente mais de um mês depois, o jornal O Estado de S.Paulo publicou um anúncio fúnebre: ‘Os amigos e parentes do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino convidam os jornalistas brasileiros e o povo em geral para a missa de trigésimo dia de seu falecimento a realizar-se sábado próximo, 28 de agosto, às 18:30 horas, na Catedral da Sé, em São Paulo’.
Cerca de 770 jornalistas compareceram à missa. Na cerimônia, os mesmos três homens que buscaram Merlino, em Santos, compareceram para dar ‘os pêsames’ à sua mãe e irmã”. Brilhante Ustra, o “major Tibiriçá”, com o mesmo cinismo que diz não passarem de “lorotas” as denúncias de tortura no DOI-Codi da Rua Tutóia, afirma na sua defesa que o laudo “foi firmado por dois legistas, tem fé pública”.
Quanto à ficção de suicídio, os advogados da família Merlino, Fábio Konder Comparato e Aníbal Castro de Sousa, declaram: “o réu não inovou, pois já há muito tempo é de conhecimento público que, infelizmente, os órgãos de repressão detinham absoluto controle do IML (Instituto Médico Legal) e ‘construíam’ versões absurdas para a causa mortis de suas vítimas.
A história está a confirmar que a alegação de suicídio era a farsa preferida pela repressão, vide o caso emblemático do jornalista Vladimir Herzog”.A necessidade de que se faça justiça não é só da família de Merlino. Corresponde aos interesses dos brasileiros e do fortalecimento da democracia.
Tatiana Merlino, na sua matéria já citada, mostrou o que está em jogo:“ ‘O objetivo da iniciativa é o reconhecimento por parte da Justiça da responsabilidade de Ustra na tortura e morte de meu irmão’, afirma Regina. ‘Estou movendo essa ação por mim e pela minha mãe, que faleceu, em 1995, sem que a verdade viesse à tona’, explica.De acordo com Angela, ‘o fim da impunidade começa com a memória e o restabelecimento da verdade. A tortura na ditadura era uma política do Estado brasileiro, mas seus executores têm nome’, salienta”.*
Antônio Augusto é jornalista

Regime militar do Brasil não teve sequer sanção histórica

Escrito por Valéria Nader
02-Set-2008

As propostas de revisão da anistia aos agentes do Estado que cometeram crimes, como a tortura e execução a sangue frio de presos e resistentes durante a ditadura militar, têm sido uma das discussões permanentes da pauta política atual.

Muitas visões têm polarizado essa discussão, desde aquelas que defendem que a Lei da Anistia abrange apenas delitos políticos e não a tortura e execução, crimes contra a humanidade, até aquelas que propõem que a revisão da anistia "ampla, geral e irrestrita" comportaria igualmente a revisão da anistia dos resistentes e combatentes à ditadura militar. A idéia do ‘revanchismo’, para, em nome da busca da punição de torturadores, desabonar as ações das forças armadas, também está presente nesse debate.

Para o professor e historiador Mário Maestri, no Brasil, ao contrário de outros países da América Latina, não se puniram os criminosos de Estado e nem mesmo se reconheceu a dívida com a resistência – esta última, um direito e dever inalienável. Ao contrário, "pretende-se que a Lei da Anistia ditada pelo regime militar para encobrir seus crimes mantenha-se após a dissolução do regime ditatorial e ilegal!".

Para o historiador, lutar pela punição dos criminosos de Estado e pela reparação histórica da resistência é lutar pela implantação de ordem social e jurídica democrática e prevenir intervenções autoritárias futuras em um país que dá crescentes mostras de militarização de sua sociedade.

Confira abaixo:

Correio da Cidadania: Como você avalia as propostas de revisão da anistia aos agentes do Estado que cometeram crimes, como a tortura e execução a sangue frio de presos e resistentes durante a ditadura militar?

Mário Maestri: O julgamento e a punição dos crimes de agentes civis e militares do Estado, contra os resistentes à ditadura militar, em 1964-85, são essenciais para a efetiva democratização do Brasil. Porém, trata-se de questão em geral abordada de forma parcial e aproximativa. Primeiro, e sobretudo, não se trata de simplesmente punir crimes de Estado, mais ou menos hediondos, contra homens e mulheres que combateram a ditadura. Por além das violências individuais, o regime militar foi agressão sistemática contra a população como um todo, com profundas conseqüências conjunturais e permanentes.

A ditadura não ensejou apenas arrocho salarial, desemprego, perseguições, torturas, mortes. Promoveu e facilitou transformações estruturais ainda plenamente vigentes na sociedade brasileira – perdas de conquistas, degradação dos salários, privatização da saúde, educação, segurança etc. A reparação, mesmo tardia e parcial desses crimes contra a população, exige o resgate do sentido histórico da ditadura e da luta contra ela e a restauração das conquistas e direitos perdidos. A punição de crimes de Estado como a tortura e execução de prisioneiros, imprescritíveis segundo a própria legislação internacional, é parte urgente e inarredável dessa reparação geral.

CC: Defende-se a punição dos torturadores, pois a Lei da Anistia abrange apenas delitos políticos e não a tortura e execução, crimes contra a humanidade. Porém, alguns propõem que a revisão da Anistia "ampla, geral e irrestrita" comportaria igualmente a revisão da anistia dos resistentes e combatentes à ditadura militar.

MM: Essa correspondência é uma indecência. O amálgama do agressor e agredido, vitimador e vítima, violentador e violentado, busca escamotear as responsabilidades dos criminosos. Os combatentes contra a ditadura militar, armados ou desarmados, não necessitam de anistia. Na Alemanha, Itália, África do Sul etc., os combatentes do nazismo, fascismo, racismo, também denominados de terroristas, jamais foram anistiados. Tiveram simplesmente o reconhecimento, nem que fosse póstumo, do sentido do combate empreendido. Os responsáveis pelos crimes de Estado, esses sim, foram julgados e, em alguns casos, anistiados, com liberalidade não raro vergonhosa.

As leis nazistas, fascistas e racistas caducaram quando aqueles regimes anti-populares foram derrotados. No Brasil não! Pretende-se que lei de anistia ditada pelo regime militar (ou à sua sombra) para encobrir seus crimes e criminalizar - ao anistiar como delitos o direito e dever inalienáveis de resistência contra a opressão - mantenha-se após a dissolução daquele regime ditatorial e ilegal!

Na Argentina, a revogação das leis "Obediência Devida", "Ponto Final" e dos indultos menemistas registra a falsidade jurídica desses diplomas. No Brasil, não se puniram os criminosos de Estado, como sequer se reconheceu a dívida com a resistência. O regime militar permanece sem sanção mesmo histórica, sendo cultuado e defendido nas escolas militares, quartéis, publicações civis e militares, em verdadeira apologia ao crime de Estado. Compreende-se porque em uma cidade como Porto Alegre, governada por longos anos pelo PT, importante avenida porta normalmente o nome do liberticida Castelo Branco!

CC: Conservadores propõem ser essa discussão ‘revanchismo’ para, em nome da busca da punição de torturadores, desabonar as ações das forças armadas.

MM: A ditadura militar foi ação de parcela da oficialidade das Forças Armadas, em nome das classes proprietárias e do imperialismo, contra a população, com destaque para a trabalhadora. Ação que, para se materializar, agrediu violentamente os homens mais dignos de suas próprias fileiras. Especialmente soldados, marinheiros, suboficiais e oficiais do Exército, Marinha, Aeronáutica e das forças estaduais estiveram entre os cidadãos mais vilmente vitimadas pelos esbirros da ditadura.

Esses soldados, suboficiais e oficiais são figuras luminares de nossa história, que necessitam ser resgatadas, pela sociedade e, oficialmente, pelo Estado, pois demonstram a possibilidade de Forças Armadas comprometidas com os destinos da população e da nação, em contexto de democratização política e social efetiva. Muitos membros atuais das Forças Armadas são os mais interessados na punição dos criminosos que mancharam suas fardas com crimes abomináveis.

Sou de família de militares: meu avô Argemiro foi general, ativo na Revolução de 30 e 32. Meu tio Luís, da FAB, foi talvez o último piloto abatido na Itália na luta contra o nazi-fascismo. Seu irmão, o tio Oly, teve que deixar o Exército após 1964, devido a seus princípios nacionalistas. Arrepia-me pensar que homens como esses sejam confundidos com torturadores, estupradores, ladrões e assassinos, impunes por cometerem seus crimes a serviço de Estado anti-popular, anti-nacional e anti-social. Temos que dar fim a essa história. Soldado é soldado. Torturador é bandido.

CC: Setores progressistas que discordam da proposta de revanchismo consideram inoportuna a forma e intensidade dessa discussão, considerando-se temas mais prementes e carentes de atenção.

MM: A punição dos criminosos de Estado e resgate da memória da resistência é questão urgentíssima. O amálgama entre criminosos e vítimas empreendido pelo parlamento da ditadura, desde 1979, para proteger seus criminosos e criminalizar o direito e dever de luta e resistência, como assinalado, foi fundamental para transição que manteve intocada o essencial das modificações promovidas pela ditadura, ao serviço do grande capital e imperialismo. Metamorfose que manteve na ativa e impunes os quadros civis e militares que feriram duramente os direitos inalienáveis da população brasileira em forma conjuntural e permanente.

CC: O resgate desse lado terrível da história do Brasil e a punição dos responsáveis por crimes contra a humanidade não são também uma forma de desestimular as ações de tortura e corrupção atuais no Brasil?

MM: Na Colônia, Império, República, o direito de fato do qual gozam as forças policiais de torturarem e matarem segmentos populares, envolvidos ou não na criminalidade, constitui parte integrante das formas autoritárias de gestão de trabalhadores e populares pelas classes dominantes. Uma tradição de violência e arbítrio semi-institucionalizada que permite que tal tratamento seja estendido quase normalmente aos opositores, mesmo com raízes sociais não populares, que questionem a ordem vigente, como ocorreu em 1964-1985. Lutar pela punição dos criminosos de Estado e pela reparação histórica da resistência é lutar pela implantação de ordem social e jurídica democrática.

É prevenção e profilaxia contra intervenções autoritárias futuras. Não é por nada que o ministro Jobim lembra que não temos que mexer nessas coisas da ditadura militar, do passado, pensando e olhando no "futuro".

CC: A partir de atos aparentemente desconexos vislumbra-se cenário de ‘militarização’ da sociedade e ‘subserviência’ do governo a esse cenário - reuniões do Clube Militar; ações do Ministério Público no RS; defesa da presença das Forças Armadas na Amazônia etc. Isso seria medo infundado sobre avanço do autoritarismo ou algo que pode ter repercussões para a nação?

MM: Após o fim da ditadura, as classes dominantes e todos os governos que se seguiram encobriram as responsabilidades e crimes da alta oficialidade nos anos de violência anti-popular e anti-nacional. Ainda assim, a idéia da intervenção militar no mundo civil conheceu surdo e profundo descrédito, devido ao tratamento ministrado à população e ao desastre econômico legado pela ditadura ao país.

As classes dominantes têm se esforçado sobremaneira para recompor a visão das Forças Armadas como instituição de sentido social, capaz de intervir em nome dos direitos da nação e da população. Trata-se de recomposição estratégica das possibilidades de intervenção civil das forças armadas em defesa dos privilégios, como ocorreu amiúde na nossa história. Operação que se dá através da obliteração da memória sobre a ditadura e convocação das forças militares para desempenharem funções socialmente simpáticas, que não lhe cabem institucionalmente, como o combate à criminalidade e a proteção policial do território nacional. Essas intervenções materializam a proposta que problemas sociais podem e devem ser resolvidos com a força de violência tida como positiva.

Essas operações têm se multiplicado nos últimos anos, com destaque para o cerco das favelas durante os jogos Pan-americanos; a ocupação militar do morro da Providência; a convocação das forças militares para manter a tranqüilidade durante as eleições etc. A mais ambiciosa operação de glamourização da intervenção militar no mundo civil ocorre fora do Brasil, promovida pelo governo petista, através da participação das Forças Armadas nacionais na ocupação militar do Haiti e na repressão de sua população, em resposta a pedido de Bush e do imperialismo estadunidense.

CC: Existiria protagonismo político do ministro da Justiça Tarso Genro ao retomar a discussão sobre essa questão?

MM:Ter retomado essa discussão foi ação positiva, ainda que tardia e limitadamente. Certamente se deveu a sua consciência de que será chamado a explicar-se por ter comandado ministério da Justiça de governo que literalmente nada fez quanto a essa questão determinante, ainda mais tendo sido, no passado, homem de esquerda, militante da Ala Vermelha do PC do B e dirigente do Partido Revolucionário Comunista. Sua falta de decisão nesse relativo é ainda mais sentida na aceitação passiva dos verdadeiros massacres à população realizados especialmente no Rio de Janeiro e São Paulo.

Creio que a ação tímida e tardia de Tarso Genro deveu-se também à pressão exercida pelos sucessos da Argentina, onde dezenas de militares estão sendo condenados, não raro duramente, por crimes congêneres. Também na Argentina, o Estado, sob pressão popular, tem reconhecido, ainda que parcialmente, o sentido histórico da resistência, em atos como a transformação em Museu da Memória em 2004, e agora em Monumento Histórico, do prédio da Escola de Mecânica da Armada, terrível centro de tortura e extermínio. Por que o ministro e o governo Lula da Silva não fazem o mesmo com a sede da Oban e com o Presídio Tiradentes em São Paulo e à sede do Cenimar, no Rio de Janeiro?

CC: Para encerrarmos com uma trivial analogia: o governo Lula representou avanço nessa abertura dos arquivos da ditadura em relação ao governo FHC? Existem forças nesse governo efetivamente dispostas ao enfrentamento da temática?

MM: Não deve causar surpresa a ignominiosa determinação do senhor Lula da Silva de que o governo fique fora do debate e de iniciativas sobre a punição dos criminosos da ditadura, que corresponderiam apenas ao Poder Judiciário, prontamente aceita pelo ministro da Justiça. Enviar a iniciativa para a alçada da Justiça é enterrar a questão.

Apesar de não serem poucos juízes e magistrados preocupados com a Justiça, com a população e com a nação, não podemos e não devemos esperar nada do sistema judiciário como instituição enquanto não houver uma profunda democratização em seu sentido social.Na Colônia, Império e República, ela foi sempre instituição surda às necessidades e sofrimentos populares, a serviço das classes proprietárias e endinheiradas brasileiras.

Lula da Silva sequer tem memória a preservar, pois não mentiu quando, no início de seu governo, afirmou que "nunca" fora de "esquerda". Nos fatos, foi precisamente por jamais ter participado da resistência à ditadura que ele se encontrava à frente do Sindicato dos Metalúrgicos, em meados dos anos 1970, quando da reação do movimento sindical brasileiro. O atual governo, seu presidente e seus ministros, por além de questões de estilo e de intensidade, são gestores de Estado historicamente voltado aos interesses das classes proprietárias.

Seis anos após entronizado, o atual governo não fez nada de essencial no sentido da punição dos criminosos de Estado e da restauração da memória da resistência à ditadura do grande capital por vinte anos no Brasil, prosseguindo na manutenção do silêncio sobre o sentido da ditadura, de seus crimes, da continuidade de homens e de instituições nos dias de hoje.

Em um sentido social e histórico, as violências da ditadura contra o povo e a nação foram cometidas em defesa e obediência das mesmas forças que mantêm o poder e se mantêm no governo. Cabe ao povo e aos homens de bem a mobilização pela punição dos crimes de Estado, pelo desvelamento do sentido dos sucessos da ditadura e contra suas permanências no presente. A luta entre a impunidade e a reparação, entre a memória e o esquecimento, é luta pelos destinos de nossa sociedade e nação.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

TORTURA E IMPUNIDADE, ONTEM E HOJE

Publicado no Correio Braziliense em 23 de agosto de 2008

Dona Maria de Lourdes* tentava visitar o filho preso, mas a permissão lhe era negada sob a alegação de que faltava um documento. Dona Iracema, por sua vez, esperava notícias de seu filho, levado por policiais. As duas ficariam marcadas por assassinatos cometidos por agentes do Estado.

Maria de Lourdes recebeu várias cartas em que o filho relatava os maus-tratos a que era submetido. Nas últimas, havia queixas de uma agressão específica: "meu sangue já foi derramado covardemente. Levei uma paulada na cabeça, não de preso, não! Mas dos polícias." Vinte e cinco dias depois, quando a mãe finalmente conseguiu autorização para visitá-lo, seu filho já estava morto havia mais de duas semanas. No IML, dona Maria de Lourdes soube que, absurdamente, o detento já teria sido enterrado como indigente, não obstante estivesse sob a tutela do Estado. O corpo reapareceu em estado avançado de decomposição; no atestado de óbito, a causa mortis: traumatismo crânio encefálico por ação contundente.

O caso de dona Iracema guarda semelhanças. A mãe esperava junto da família por informações do paradeiro de seu filho. O genro de Iracema, delegado de polícia, entrou em contato com um colega, que conseguiu a notícia: o preso já estava morto; teria se suicidado um dia antes. No IML, a família foi informada de que o corpo não estava lá. No entanto, valendo-se mais uma vez do cargo de delegado, o genro de dona Iracema conseguiu entrar e o encontrou em uma gaveta, com marcas de forte tortura.

Iracema Rocha Merlino faleceu em 1995 sem conhecer a justiça. Seu filho era o jornalista Luis Eduardo da Rocha Merlino, torturado durante 24 horas ininterruptas na sede do DOI/CODI de São Paulo, em julho de 1971. Em abril de 2008, familiares entraram com uma ação civil contra Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandande do DOI/CODI. O processo não prevê indenização ou punição criminal, busca apenas o que dona Iracema sempre quis: uma apuração sobre o que aconteceu com seu filho e o reconhecimento, por parte da Justiça, da responsabilidade do coronel Ustra.

A condenação dos torturadores da ditadura militar é passo indispensável para a consolidação de uma sociedade verdadeiramente democrática e de um Estado comprometido com os direitos humanos. Dar esse passo não significa, porém, ir contra a Lei de Anistia de 1979, que abrange apenas crimes políticos e eleitorais. Tortura e desaparecimento forçado não se encaixam nessas definições e, portanto, não podem ser anistiados. Segundo determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, são crimes contra a humanidade e são imprescritíveis.

O empenho de alguns militares e de setores da mídia em manter o assunto repousado às escuras é análogo ao esforço de agentes públicos em acobertar certos crimes cometidos nos dias de hoje. O filho de dona Maria de Lourdes, por exemplo, foi assassinado em julho de 2006 em um presídio do Rio de Janeiro. Passados mais de dois anos de sua morte, o caso ainda está em fase de inquérito policial. Desde o início, Maria de Lourdes sente que, às vezes, seu filho é tratado não como a vítima, mas como o réu.

Foi essa a impressão que teve quando foi recebida de maneira agressiva pela pessoa que tem a obrigação de investigar o assassinato cometido nas dependências de uma casa de custódia do Estado. A sala da representante do Ministério Público tinha fotografias de policiais armados e até uma miniatura do "caveirão", o que, de alguma forma, reforçou em Maria de Lourdes a sensação de hostilidade e desamparo. Somando essa recepção à ocultação inicial da morte de seu filho, à declaração mentirosa da Subsecretaria Geral de Administração Penitenciária do Estado (que afirmou que a causa mortis tinha sido um aneurisma cerebral), à ocultação do inquérito policial até março de 2008, à informação falsa de que a mãe já havia sido chamada a depor e não havia comparecido, e à morosidade do delegado e da promotora para ouvir testemunhas, fica evidente a condescendência que partes da polícia e da Justiça têm com alguns crimes cometidos por representantes do Estado.

Defender a responsabilização jurídica dos agentes públicos que cometeram crimes de tortura e desaparecimento forçado significa mais do que resgatar as verdades histórica e jurídica da época da ditadura. Significa um primeiro passo rumo à conscientização ampla de que o Estado não pode, em hipótese alguma, promover ou compactuar com qualquer espécie de crime. Manter os culpados escondidos é jogar os cacos para baixo do tapete e louvar a impunidade no Brasil, a de ontem e a de hoje.

Andressa Caldas, Diretora da Justiça Global
Gustavo Mehl, Assessor de Comunicação da Justiça Global
[*Nome fictício.]

Projeto resgata indicadores da memória e da história política do País

Leandra Rajczuk lerajmar@usp.br
02/09/2008 12:42

Agência USP de Notícias

A partir de uma proposta elaborada no ano passado em atenção à iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura, está em fase de implantação o Memorial da Resitência. O novo projeto é de autoria de Maria Cristina Oliveira Bruno, museóloga do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), e Maria Luiza Tucci Carneiro, historiadora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora do Projeto Integrado Arquivo Público do Estado (PROIN/USP). As pesquisadoras contaram, para a elaboração do projeto, com a colaboração de Gabriela Aidar, educadora da Pinacoteca do Estado de São Paulo. “Por meio de estratégias museológicas e pedagógicas interativas, o projeto buscará o resgate dos indicadores da memória e da história política do País”, afirma a professora Cristina Bruno. Na área expositiva do Memorial da Resistência funcionavam as celas do antigo Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (Deops), por onde passaram muitos dos presos políticos durante o Estado Novo e a ditadura militar, entre 1940 e 1983. “Portanto, o projeto está voltado para a musealização da resistência e da repressão ao recuperar memórias silenciadas, destruídas e até exiladas.” Segundo Cristina Bruno, a idéia é estabelecer um novo conceito gerador para consolidar um novo discurso expositivo, em diálogo com a Estação Pinacoteca, ampliando o espaço de visitação do memorial. Esta nova proposta se desdobrará em mostras temporárias e em um amplo projeto educativo e de ação cultural. “Além disso, a formação de um centro de referência manterá o acesso à pesquisa, promovendo o registro de testemunhos e intercâmbio com demais entidades.” A previsão é inaugurar o novo espaço no próximo mês de novembro, de acordo com o anúncio feito durante o seminário “29 anos da Lei da Anistia – Verdades e Mentiras: Democratização e Abertura dos Arquivos Políticos”, ocorrido dia 28 de agosto, no auditório da Estação Pinacoteca. O evento, organizado pelo Fórum dos ex-presos e perseguidos políticos do Estado de São Paulo, teve apoio do Arquivo Público do Estado, do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e da Comissão de Familiares de Presos Políticos Mortos e Desaparecidos. Entre seus principais objetivos, o projeto visa à importância da preservação dos vestígios da memória, por meio de ações de pesquisa, salvaguarda e disseminação desenvolvidas por meio de conexão em rede com fontes documentais e orais, de estudos sobre o Deops/SP, com ênfase nas pesquisas desenvolvidas pelo PROIN. Haverá ainda o desenvolvimento de um centro de referência bibliográfica e de bens patrimoniais relativos à questão da repressão e da resistência, além de exposições de longa duração sobre o histórico do edifício e um programa de mostras temporárias. Desarquivando a Anistia Oficialmente a inauguração do projeto do Memorial da Resistência, ocorrida no dia 1º de maio deste ano, marcou o início da parceria do Fórum dos ex-presos e perseguidos de São Paulo com a Pinacoteca do Estado, responsável por gerenciar o espaço onde funcionava o antigo Deops, agora transformado em sede do Memorial, além de abrigar a Estação Pinacoteca. A experiência da abertura dos arquivos do Deops no Estado de São Paulo foi o tema da palestra “Desarquivando a Anistia: Arquivo Deops”, proferida pela historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro. Sob sua coordenação no PROIN, o trabalho junto aos referidos arquivos deu origem aos primeiros inventários temáticos em nível acadêmico, constituindo-se, portanto, como importante laboratório de estudos da memória política brasileira, sendo papel central na formação de historiadores. Durante a apresentação, a historiadora exibiu imagens de diversos documentos analisados por sua equipe, como relatórios manuscritos, cartões-postais, envelopes e cartazes. “Temos um balanço das ações e encontramos silêncios propositais, o chamado ‘fenômeno de ocultamento’”, explica Maria Luiza, lembrando que a história se escreve à margem dos documentos. “Dessa forma, conseguimos reconstituir a história da ditadura por intermédio dos vestígios deixados pela Polícia Política, a qual foi detalhista em suas anotações.” Nesta fase de implantação, uma nova equipe foi contratada para o desenvolvimento dos trabalhos e conta com a participação do historiador Erick Zen, da museóloga Kátia Felipini e da educadora Caroline Menezes. Com dinâmica própria, o novo projeto do Memorial da Resistência estará integrado aos movimentos e às instituições nacionais e internacionais dedicadas ao fortalecimento das práticas democráticas e preservadoras de espaços que testemunharam as lutas pela liberdade e resistência. Seu lançamento pretende contribuir para a construção da memória e da história política do País, com ênfase na problematização dos distintos caminhos da memória da repressão e da resistência, enfatizando os indicadores da herança patrimonial. Mais informações nos sites www.pinacoteca.org.br e www.usp.br/proin

História, Ditadura e Anistia no Brasil: problemas atuais

Memória política em democracias com herança autoritária
Prof. Dr. Edson Luís de Almeida Teles (USP)
Os limites da Lei da Anistia e os impasses na atualidade
Pedro de Albuquerque Neto (Doutorando em Criminologia/Ottawa University-CA e Professor da UNIFOR)
Local: UECE/Campus Itaperi - Auditório da ReitoriaHorário: 19hData: 02/09 (terça)
Realização:
Associação 64/68 - Anistia
Centro Acadêmico de Ciências Sociais - UECE
Centro Acadêmico de Ciências Sociais - UFC
Centro Acadêmico de História Caldeirão - UECE
Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou
Diretório Central dos Estudantes - UECE

ADITAL - Torturadores são condenados à prisão perpétua

Torturadores são condenados à prisão perpétua.


Ontem (28), dois ex-generais argentinos, Antônio Bussi e Luciano Menéndez, foram condenados à prisão perpétua pelo seqüestro, tortura e desaparecimento de um ex-senador durante a ditadura militar na Argentina (1976-1983). A notícia foi recebida com satisfação pela Anistia Internacional, que declarou que a tortura e o desaparecimento forçado não possuem mais lugar no mundo de hoje.

A diretora do Programa Regional para América da Anistia Internacional, Susan Lee, afirmou que as penas impostas a esses ex-generais são provas dos passos que a Argentina está começando a dar para enfrentar seu passado. A AI exige ainda que as autoridades argentinas tomem medidas mais efetivas para proteger as testemunhas.A entidade quer também que as autoridades estabeleçam os recursos necessários para a investigação sobre o destino de Jorge Julio López, desaparecido em 17 de setembro de 2006, após se declarar testemunha de acusação no julgamento contra o ex-diretor de Investigações da polícia da província de Buenos Aires, Miguel Etchecolatz.

O Tribunal Oral Criminal Federal de Tucumán concedeu o benefício da prisão domiciliar a Bussi, atualmente com 82 anos, que havia sido governador da província de Tucumán durante o regime militar e entre os anos 1995 e 1999. A defesa de Bussi alegou "precário estado de saúde" para conseguir o benefício. A decisão provocou choques entre membros das forças de segurança e de organizações humanitárias e partidos de esquerda, em frente ao Tribunal.

Os dois foram sentenciados por homicídio com agravantes por aleivosia, privação ilegítima da liberdade, violação de domicílio e imposição de tormentos agravados. Menéndez, seis oficiais das Forças Armadas e um civil haviam sido condenados em julho, em Córdoba, por seqüestro, tortura e execução extrajudicial de outras quatro pessoas, crimes cometidos em 1977. Segundo a Anistia, Córdoba e Tucumán estiveram entre as áreas mais afetadas pelas violações de direitos humanos cometidos durante o regime militar.

UNE, OAB e ABI lançam manifesto "Tortura não é crime político"

Em conjunto com o Manifesto dos Juristas, a UNE, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) lançam no aniversário da Lei da Anistia, 28 de agosto, às 11 horas e 30 minutos, na Faculdade de Direito da USP, na capital paulista, o manifesto "Tortura não é crime político: pela verdade e reconciliação". O objetivo é favorecer o debate e contra a impunidade e a tentativa de imposição do esquecimento apresentada por torturadores da ditadura.

"Recentemente pudemos ver a comunidade jurídica brasileira manifestar-se contra aqueles que querem impor o silêncio e uma falsa memória, forçando o esquecimento e pregando a impunidade dos bárbaros crimes que alguns membros das forças armadas perpetraram durante a ditadura militar", explica o convite das entidades.

"É hora da sociedade civil manifestar-se, mostrando que não apenas aos juristas interessa esse debate, mas sim a todos os brasileiros que prezam o Estado Democrático de Direito. É neste sentido que a União Nacional dos Estudantes, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa formulam e assinam o manifesto, rogando a todos que somem sua assinatura, agregando força a este movimento contra a impunidade e o esquecimento", convoca o texto.

Para assinar o manifesto basta remeter seu nome, estado de residência e organização em que trabalha/milita para o e-mail manifestodasociedadecivil@hotmail.com, até a zero hora do dia 27/08.

Leia abaixo o manifesto.

Tortura não é crime político: pela verdade e reconciliação!

Manifesto em favor do debate e contra a impunidade e a tentativa de imposição do esquecimento

Um debate fundamental para a democracia brasileira, há muito tempo sufocado, finalmente se estabelece de forma republicana junto à opinião pública: a questão da responsabilização jurídica dos agentes torturadores durante a ditadura militar.

Causa espécie e estranhamento o fato de que, em plena democracia, tal assunto provoque reações contrárias que rejeitam até mesmo o próprio debate público do assunto. Sob os argumentos de que o tema é inoportuno, intempestivo, e até mesmo que significa "um desfavor para a democracia" ou que "não mais interessa a sociedade', percebe-se explicitamente um movimento, certamente motivado por interesses específicos mas nem sempre explícitos, que procura abafar as vozes daqueles que há mais de três décadas clamam e esperam por justiça.

O fato concreto é que existem no Brasil mais de 100 associações de ex-perseguidos políticos e familiares de mortos e desaparecidos políticos. Mais de 62 mil brasileiros ingressaram com pedidos de reparação na Comissão de Anistia nos últimos sete anos, restando quase 25 mil por apreciar. A União apreciou mais de 500 processos movidos por famílias que tiveram familiares mortos ou desaparecidos durante a ditadura militar. Diversos particulares têm ingressado com ações no Poder Judiciário pedindo a responsabilização jurídica de quem os torturou ou levou à morte dos seus familiares. O Ministério Público Federal promove, atualmente, Ação Civil Pública contra agentes públicos que chefiaram o DOI-CODI de São Paulo. Milhares de brasileiros aguardam reparação, centenas aguardam o direito de enterrar seus entes próximos ou de conhecer a verdade histórica sobre seus paradeiros. Não se pode falar em reabrir feridas que nunca se estancaram. Estudos internacionais recentes revelam que a impunidade aos crimes (ressalta-se sempre, atos praticados na ilegalidade do próprio regime ditatorial) é fator de piora dos índices de violência e de abuso aos direitos humanos, servindo como uma forma de legitimação da violência praticada hoje no Brasil. Não há de se falar, portanto, de que se trata de um assunto do passado. É mais do que presente.

O debate que está posto não é a alteração ou revisão da lei de anistia, mas sim o cumprimento da mesma. O debate que está posto não significa afronta às Forças Armadas enquanto instituição nacional, mas sim o prestígio de sua corporação frente àqueles que não respeitaram nem ao menos as regras do próprio regime ditatorial que proibia a prática da tortura e comprometeram a sua imagem. A questão jurídica central é: se a lei de anistia abrangeu ou não os crimes de tortura enquanto como crimes políticos. O certo é que não há manifestação do Poder Judiciário sobre a questão e, por isso, a importância do debate público. Enquanto este momento não ocorrer o debate permanecerá em pauta junto à sociedade civil.

Questões fundamentais ainda não foram respondidas: Se a anistia foi ampla, geral e irrestrita, porque a anistia a Carlos Lamarca foi questionada por setores militares da reserva na Justiça? Existe correlação moral e ética entre aqueles que usurparam da estrutura estatal do monopólio da violência para torturar com aqueles brasileiros que exerceram a resistência contra uma ordem injusta que os perseguia? Que democracia é essa, incapaz de enfrentar o seu passado? A quem interessa que o debate não seja realizado e os fatos não sejam revelados? Os perseguidos foram processados e julgados e hoje são anistiados à luz da Lei n.º 10.559/02, os torturadores nem ao menos reconheceram seus atos. Como anistiar em abstrato crimes que não foram elucidados e julgados?

As organizações da sociedade civil abaixo assinadas vêm por meio desta mensagem apoiar e somar-se às iniciativas do Ministério da Justiça e do Ministério Público Federal em discutir a validade e alcance da Lei de Anistia de 1979 e os caminhos jurídicos para que, sem alteração das leis que permitiram a redemocratização do Brasil, a questão seja apropriadamente tratada no Poder Judiciário. É dever do Estado, no mínimo, promover o debate sobre as garantias fundamentais dos seus cidadãos, entre elas o direito à verdade, à memória e à justiça.

Cremos, em consonância com diversos tribunais internacionais, e com diversas cortes superiores da América Latina, que os crimes contra a humanidade não são prescritíveis, portanto, não passíveis de anistia, e que aqueles que os cometeram, fora da própria legalidade do regime de exceção, devem ser julgados e responsabilizados.

Apenas com o devido processamento e esclarecimento de todos os fatos que envolveram esses crimes é que será efetivamente possível falar em anistia, permitindo que a reconciliação nacional se consolide, desbancando a tese degenerativa da democracia de que a única solução possível para lidar com as abomináveis violações de direitos humanos perpetradas por agentes públicos é a impunidade e a imposição do esquecimento.
Maurício Azêdo, RJ, Presidente da ABI
Cezar Britto, DF, Presidente da OAB
Lúcia Stumpf, SP, Presidente da UNE
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Dezenas de outras assinaturas

Não se pode jogar a tortura debaixo do tapete

Colunista: Antônio Augusto29/08/2008

DEBATE ABERTO

Não se pode jogar a tortura debaixo do tapete

As Forças Armadas não têm nenhum motivo, ao contrário, para se identificarem à tragédia da tortura. Para bem cumprir suas funções constitucionais podem se guiar por militares e brasileiros exemplares, como o Marechal Rondon, o Marechal Henrique Lott ou o capitão Sérgio Macaco.

Data: 17/08/2008

As reações de militares ao atacar o debate sobre a tortura praticada durante a ditadura não estão em sintonia com o regime democrático vigente no país nem com o sentimento do povo brasileiro.Após afirmar ao sair de ato no Clube Militar, no último dia 7, que "o único erro foi torturar e não matar", além de agredir manifestantes com palavrões, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), na sessão da Câmara no dia 12, voltou a cometer xingamentos e ofensas, contra ministros do governo Lula.O fato irritou o presidente da sessão, deputado José Inocêncio (PR-PE), a ponto dele determinar ao Serviço de Taquigrafia o corte das indevidas expressões proferidas pelo defensor da tortura e do assassinato. O deputado Bolsonaro responderá a processo regimental e poderá perder o mandato pela permanente quebra do decoro parlamentar.Nota conjunta dos clubes Militar, Naval e da Aeronáutica, classificou como "imoral e fora de propósito" a iniciativa dos titulares da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e da Justiça, Tarso Genro, de defender o direito à memória e à verdade, bem como a apuração de responsabilidade de torturadores, pois, enfatizaram os ministros, a tortura é crime de lesa-humanidade e imprescritível.A mídia dominante de direita procurou desinformar a população. Embora ambos os ministros sublinhassem não estar em jogo a revisão da Lei de Anistia, de 1979, o assunto assim foi apresentado. O Globo, por exemplo, se superou, chegou a apontar os insatisfeitos com a discussão sobre a tortura como os grandes defensores da anistia. A vitoriosa luta democrática e popular da anistia, em nenhum momento, se propôs a "anistiar" torturadores. Eles continuaram a desfrutar de impunidade por conta de um "pequeno detalhe", a ditadura, na ocasião, continuava a existir no país e ainda nos infelicitaria por quase cinco anos."Olha que eu chamo o Pires"O inesquecível general Figueiredo, o último dos ditadores do regime de 1964, diante do avanço da luta democrática e popular, vez ou outra ameaçava: "Olha que eu chamo o Pires", numa referência ao então ministro do Exército, o general Walter Pires.Hoje, com a democracia existente no país, ao se entrar no "site" do Comando Militar do Leste, ainda se depara com a mesma retórica da ditadura, e aparece imediatamente em destaque uma citação do general Walter Pires, de 1983: "Estaremos sempre solidários com aqueles que, na hora da agressão e da adversidade, cumpriram o duro dever de se oporem a agitadores e terroristas de armas na mão para que a nação não fosse levada à anarquia". O atual comandante militar do Leste, general Luiz Cesário da Silveira, participou, com traje civil, da reunião do Clube Militar, no último dia 7, em que um dos presentes foi o torturador Brilhante Ustra, o tenebroso Dr. Tibiriçá, ex-comandante do terrorista DOI-Codi paulista.Quanto a terrorismo, o general Walter Pires, e seu superior hierárquico imediato, o inesquecível general Figueiredo, apesar de terem todas as armas à mão, não se contrapuseram aos terroristas do Riocentro, os mesmos que cometeram diversos atentados, incendiaram bancas de jornais, atacaram com bombas jornais de esquerda, assassinaram D. Lyda Monteiro da Silva no atentado à OAB, mutilaram e cegaram o funcionário José Ribamar de Freitas no atentado ao gabinete do vereador Antonio Carlos Carvalho e à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.Note-se, tudo isso em 1980, após a anistia, inconformados com ela e os rumos democráticos para os quais o país se encaminhava. Note-se também que, hoje, o plenário da Câmara carioca, reflexo da democracia, se chama Plenário Vereador Antonio Carlos Carvalho."Anistia não é amnésia"É o que diz o presidente da OAB, Cezar Britto. Da mesma opinião é Augustino Veit, que foi presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça: "A Lei de Anistia não abrange atrocidades cometidas por agentes de Estado contra brasileiros. Os atos a que me refiro são a tortura, o desaparecimento e a morte, que foram perpetrados por agentes do Estado brasileiro em decorrência de uma decisão política do governo militar na época da ditadura". Para ele, "se nós não reconhecermos que o Estado brasileiro efetivamente praticou essas atrocidades, corremos o risco de retornar ao Estado ditatorial. Precisamos tomar essas atitudes como fortalecimento e consagração da nossa ainda jovem democracia. É necessário avançar e discutir para acharmos a melhor forma de alcançar isso. Esquecer é um péssimo caminho e não o aceitaremos. A sociedade precisa se manifestar em favor da posição de Tarso Genro e Paulo Vannuchi, ou seja, contra os setores de direita e conservadores, que não querem abrir os arquivos e punir os torturadores e assassinos da ditadura". Há diferença profunda entre os que lutaram contra a ditadura e seus algozes, segundo Veit: "Aqueles que lutaram eram cidadãos que defendiam liberdade, igualdade e eram contra a ditadura". Já os defensores da ditadura "praticaram atrocidades da tortura, da morte, do desaparecimento em nome do Estado. Aí está a diferença".O ex-presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos chega a uma importante conclusão: "Nunca se discutiu o papel das Forças Armadas no Brasil. Conseguimos avançar apenas quando se criou o Ministério da Defesa. As Forças Armadas estão acostumadas a não se integrar nos passos democráticos que o país está dando. Até agora, elas querem trilhar caminhos paralelos ao Estado Civil brasileiro, o que é inconcebível. Não podem operar paralelamente, pretendendo posições não democráticas. Daí ser preciso derrubar esse tabu, o que demanda rever diversas funções que são do Estado brasileiro. Em suma, as Forças Armadas precisam estar em sintonia com o avanço democrático do país".Luta democráticaDurante ato no dia 13, na Praia do Flamengo, 132, endereço histórico da sede da UNE, o presidente Lula assinou mensagem, encaminhada ao Congresso, na qual reconhece a responsabilidade do Estado pela destruição da sede da União Nacional dos Estudante (UNE) e propõe indenização à entidade.A UNE, permanente alvo da sanha dos golpistas de 1964, teve sua sede incendiada a primeiro de abril de 1964. Em 1980, a ditadura demoliu o próprio prédio da UNE para substituí-lo por um estacionamento.Na solenidade, o presidente Lula se referiu aos heróis do povo brasileiro: "A gente só lembra de Tiradentes. O Brasil tem muitas lutas importantes, mas nós não os cultuamos para dar valor ao que essas pessoas fizeram".Entre esses heróis, Honestino Guimarães, ex-presidente da UNE, um dos desaparecidos da ditadura. Para reverenciar os heróis do nosso povo, como Honestino e tantos outros, é indispensável se saber a verdade acerca do seu desaparecimento, o que pressupõe a abertura dos arquivos de terror da ditadura. A luta democrática cabe a todos os brasileiros, a todos os poderes, executivo, legislativo e judiciário."Crimes semelhantes aos dos nazistas"Os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) Marlon Alberto Weichert e Eugênia Augusta Fávero movem ação em São Paulo contra os ex-comandante e subcomandante do DOI-Codi paulista, respectivamente coronéis Brilhante Ustra e Aldir Maciel. A ação dos procuradores visa impedir que todos os torturadores da ditadura ocupem cargos públicos, como é o caso do ex-torturador do mesmo DOI-Codi paulista, Dirceu Gravina, delegado em Presidente Prudente, como atestou recente denúncia da revista Carta Capital.Segundo o procurador Marlon Weichert, "há uma decisão importantíssima da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 2006, que apreciou os crimes cometidos pela ditadura chilena. Essa decisão classificou os crimes cometidos pelas várias ditaduras do Cone Sul, inclui-se aí Chile, Argentina e Brasil, como crimes contra a humanidade, chamados também de crimes de lesa-humanidade. Esses crimes são semelhantes aos dos nazistas".E a procuradora Eugênia Fávero completa: "Esses crimes não prescrevem. não se sujeitam a nenhuma medida que libere a responsabilização desses autores".As Forças Armadas, como uma das instituições básicas nacionais, não têm nenhum motivo, ao contrário, para se identificarem à tragédia da tortura. Para bem cumprir suas funções constitucionais podem se guiar por militares e brasileiros exemplares, como o Marechal Rondon ("Morrer se preciso for, matar um índio nunca".); o grande soldado da legalidade democrática, o Marechal Henrique Lott; ou, mais proximamente, um honrado militar democrata, herói na luta contra o terrorismo, o Capitão Sérgio Macaco, do Parasar.

Manifesto Anistia e Justiça da Associação Juízes para a Democracia

Manifesto Anistia e Justiça da Associação Juízes para a Democracia

NOTA PÚBLICA


O povo brasileiro tem o direito de conhecer a sua história, obrigação da qual os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, não podem lavar as mãos. É imperativa a abertura dos arquivos, que devem fazer parte do acervo nacional, para preencher a lacuna existente no período da ditadura militar. O Legislativo aprovou a lei de reparações, mas retrocedeu com a lei do sigilo de documentos. O Judiciário, há trinta anos atrás, compareceu no paradigmático caso de Vladimir Herzog; determinou a abertura do arquivo do caso do Araguaia (decisão ainda não cumprida); tem ações em curso na esfera civil; há pedidos de extradições referentes ao desaparecimento de pessoas, na “Operação Condor”; o Ministério Público inicia neste ano as requisições de instauração de inquéritos criminais.

Em breve o Judiciário deverá dizer o direito no tocante à Lei de Anistia, nos crimes contra a humanidade perpetrados pelos agentes do Estado.
O Brasil tem uma dívida com o seu povo e com a ordem internacional. Está submetido à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cujos precedentes consideram inadmissíveis as excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e sanção dos responsáveis pelas violações de direitos humanos (como a tortura, execuções sumárias, desaparições forçadas) e que as leis de anistia carecem de efeitos jurídicos e não podem ser obstáculo para a investigação dos fatos violadores de diretos humanos, identificação e punição dos responsáveis.

Se o Estado Brasileiro não exercer a jurisdição, certamente a ordem internacional o fará aplicando o princípio do direito universal. Precisamos resgatar a memória e a verdade, sobretudo é necessário que haja Justiça para consolidar a democracia.

Dora Aparecida Martins,
presidente do conselho executivo da Associação Juizes para a Democracia;
e-mail: juizes@ajd.org.br ; fone: (11) 3105-36-11, cel: (11) 8421-02-03.

Associação Juízes para a Democracia é uma organização não governamental, sem fins corporativos, fundada em 1991, em ato público na Universidade de São Paulo, reúne Juizes de todo o Brasil. Tem dentre as suas finalidades o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito e à defesa dos direitos na perspectiva de emancipação social dos desfavorecidos. www.ajd.org.br
Agosto de 2008

Direito à memória e Anistia política

Direito à memória e Anistia política
Sérgio Muylaert*

O dever elementar que se põe em respeito a lei de anistia de 1979 é lembrar o que ela teria representado nesses 29 anos de vigência. Os avanços não contemplados no texto de 1979 seriam reconhecidos com a Emenda Constitucional nº 26 de 1985 e no passo seguinte a Constituição Federal, de 1988, afirma o estado democrático de direito ao colocar no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - artigos 8º e parágrafos 1ª a 5º, e art. 9º -, o marco definitivo à anistia política.

Sem óbice do reconhecimento das falhas e deficiências interpretativas que lhe possam ser atribuídas, a atual lei de anistia de novembro de 2002 cumpre a sua histórica função no ordenamento do país. A lógica em torno da qual podem ser questionadas a alteração do texto e a revisão de suas linhas mestras deve ter por meta inafastável o efetivo cumprimento das políticas públicas de direitos humanos.

Não significa negar validade da norma jurídica sobre o que já está, efetivamente, concluído a custa de tormentoso caminho. No entanto, para lá do que representam valores indenizatórios a quem diretamente atingido, a memória nacional se ressente dos efeitos da repressão política. Quando este assunto é posto em debate um amplo espectro da sociedade brasileira se atém aos preconceitos de várias ordens que não cabe avaliar.

Basta lembrar o recente fórum sobre a lei da anistia, no início de agosto, na sede do Ministério da Justiça, em Brasília, onde estiveram dois Ministros do atual governo. O comparecimento do presidente da OAB não só para prestigiar a iniciativa como para frisar que a sociedade brasileira tem direito à memória em face das violações de direitos humanos durante o período do regime militar em nome do Estado Brasileiro.

A República Federativa do Brasil não desconsidera as orientações do Direito Internacional Público e do Direito Humanitário. O que pode significar avanço no reconhecimento formal para aperfeiçoar o estado democrático de direito deve permanecer sob qualquer hipótese de alteração da própria lei de anistia.

Há quem lhe refute o ganho político. Mesmo assim não se contabiliza em dinheiro o pagamento de vidas humanas sem outra compreensão após o padecimento das perseguições efetuadas por agentes públicos que as vitimaram. A mobilização da sociedade brasileira pela democratização do país evidenciou, tardiamente, a perspectiva desta reconstrução.

A quebra da tradição jurídica de orientação liberal que obriga à reparação econômica, no caso dos perseguidos políticos após o golpe armado que em 1964 derrubou o governo republicano eleito pelo povo, veio a se restabelecer gradualmente ao amparo da lei, de agosto de 1979, com imensas ressalvas. Sob este visor não se deve menosprezar a visita ao país do Juiz espanhol Baltasar Garzón a convite de um representante do governo federal.

Com as devidas cautelas o registro se pautou em fatos que envolvem, necessariamente, as apurações sobre desaparecimentos forçados e mortes de pessoas no Cone Sul com a chancela da Operação Condor e à sombra dos regimes ditatoriais.
Para tanto, é intuitivo lembrar, conforme entendem as modernas doutrinas, a imprescritibilidade dos atos praticados, pois, expressam formas de genocídio, etnocídio ou ainda de ecocídio, crimes hediondos contra a humanidade. Somente a construção de uma ordem jurídica de proteção efetiva pode reparar e preservar a história dessa mácula de padecimento.

A par destas questões, que não se resolvem somente no âmbito da lei de anistia, urge serem desvendados o uso indevido dos bens pertencentes às Forças Armadas e as formas pelas quais esses mesmos bens teriam sido empregados para convalidar a atuação em nome do estado brasileiro, a desafiar sucessivas proibições impostas em normas internacionais de caráter obrigatório.

Vê-se por um lado que, se formas existem de se conceber na anistia política um fenômeno social, apto e disponível para a serenização dos espíritos no cumprimento da desejada "paz perpétua" conforme imaginado pelo filósofo alemão, por outro lado, o aperfeiçoamento das instituições públicas, no atual estágio civilizatório parece situar-se mais próximo à linha do horizonte.

Ainda se abate o clamor entre os familiares dos mortos e desaparecidos políticos, por uma busca do direito à verdade, subjacente aos fenômenos do “ocultismo” e do anonimato, ambos, incompatíveis com a prosperidade da democracia. A efetividade desses direitos humanos, em que se inclui o direito à memória, deve recair sobre toda a sociedade brasileira, de forma a que o mais brando aperfeiçoamento das instituições pátrias corresponda e se harmonize aos preceitos da ordem internacional de que o Brasil é signatário.

Sérgio Muylaert é da OAB, membro Instituto dos Advogados Brasileiros e Vice-Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (2004-fev. 2008)

Memoria Abierta


Masacre de Fátima

El 19 de agosto de 1976, 30 personas (20 hombres y 10 mujeres) que estaban detenidas- desaparecidas en el centro clandestino de detención Superintendencia de Seguridad Federal fueron subidas a un camión militar que, acompañado por cinco o seis autos de custodia, se dirigió a la localidad de Fátima (Pilar, Provincia de Buenos Aires) donde helicópteros del Ejército sobrevolaban la zona mientras vehículos y soldados cortaban la ruta.A la altura del kilómetro 62 de la ruta 8 los vehículos detuvieron la marcha, bajaron a los detenidos, les dispararon a quemarropa y los apilaron sobre una carga de dinamita. El sumario policial detalló que las víctimas tenían las manos atadas por la espalda y los ojos tapados con cinta adhesiva. El 11 de julio del 2008, transcurridos 32 años de los hechos, el Tribunal Oral Federal Nº5 condenó a prisión perpetua a Juan Carlos Lapuyole, Comisario Inspector retirado de la Policía Federal, y a Carlos Gallone, ex Director de Inteligencia y ex Jefe de Brigada de la Superintendencia de Seguridad Federal en el marco la causa relativa a la masacre. En el mismo fallo el tribunal absolvió a Miguel Ángel Timarchi, Comisario Inspector retirado de la Policía Federal.A continuación presentamos una selección de testimonios audiovisuales de familiares de las víctimas de la masacre y de sobrevivientes de la Superintendencia de Seguridad Federal.
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Masacre de Trelew

El 22 de agosto de 1972, bajo la presidencia de facto del Gral. Alejandro A. Lanusse, en la base naval Almirante Zar de Trelew, fueron fusilados diecinueve presos políticos, todos ellos reconocidos militantes de las organizaciones armadas Montoneros, FAR y ERP.
El 15 de agosto se habían fugado del Penal de Rawson veinticinco militantes. Como consecuencia del fracaso del plan de fuga, solo seis lograron escapar a Chile.
Los diecinueve restantes se entregaron ante el Juez Federal Alejandro Godoy y numerosos periodistas en el aeropuerto de Trelew y fueron trasladados a la base naval donde se produjo la masacre.
Los hechos fueron conocidos por los testimonios de tres sobrevivientes y produjeron en la opinión pública numerosas manifestaciones de rechazo.
A la brutal violencia ejercida desde el Estado le siguió la censura y la persecución a los periodistas que informaron sobre el tema.
El corto audiovisual que acá presentamos recupera imágenes relacionadas con la Masacre de Trelew y forma parte de la muestra "imágenes para la memoria".

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sábado, 13 de setembro de 2008

De bois-de-piranha, idiotas úteis, esquerdopatas,

EDITORIAL
BRASIL DE FATO


Edição 287
26.08.2008

De bois-de-piranha, idiotas úteis, esquerdopatas, comunalhas e assemelhados.

Depois do lamentável espetáculo do Clube Militar, na tarde de 7 de agosto, cuja repercussão só serviu para desabonar e expor ao ridículo seus organizadores e partícipes (além, é claro, do ministro da Defesa, doutor Nelson Jobim, que o permitiu), os setores mais renitentes da Reserva das nossas Forças Armadas passam a usar o expediente de uma associação, para prosseguir em suas arengas. Agora, é uma tal de Associação Nacional em Defesa da Democracia (ANDEC) quem surge conclamando as massas para encherem as ruas numa manifestação marcada para setembro, em São Paulo, contra a Impunidade e a Violência no país. De acordo com a entidade, eles aproveitarão “o mote utilisado (sic) para o chamamento às ruas”, e farão “duro discurso contra a desmoralização diuturna das nossas FFAAs” (sic).

O tom e os chavões da convocatória são de fazer inveja aos áureos momentos da guerra fria – tipo Guerra da Coréia ou a Crise dos Mísseis: “Chegamos ao limite do suportável (...) quando vemos a comunalha, enxovalhando e denegrindo nossas instituições, com o firme propósito de fincar essa bandeira desgraçadamente assassina, em solo brasileiro. Não (...) podemos deixar que o povo caminhe com os ouvidos tapados pelas cartilhas esquerdopatas, servindo de idiotas úteis aos interesses da camarilha”.

Há uma dificuldade em aprender com a própria experiência .

Às vésperas dos 45 anos do golpe de 1964, e cerca de 23 da redemocratização do país, alguns militares de ultra-direita (especialmente os de pijama) decididamente ainda não entenderam o que se passou no país. O primeiro sintoma, neste sentido, é a idéia de que no pós-ditadura, os que a implantaram, que a geriram e garantiram, continuam “Os Vencedores”.
Nisto há algo de bufão, muito de bazófia e tudo de fanfarronice. Sobretudo quando essa insistente repetição, que soa como disco arranhado em vitrola quebrada, acontece meio à discussão da Lei de Anistia. E mais, da discussão também sobre a punição dos responsáveis pelas torturas, assassinatos e ocultações de cadáveres, durante os anos que aqueles senhores reinaram soltos, cometendo todo tipo de arbítrio e desrespeitos aos direitos humanos.
Seria necessário que esses epígonos do golpismo se dessem conta de que não existem vitórias nem derrotas definitivas. Muitas vezes, ganha-se uma batalha mais ou menos importante aqui, perde-se outra mais adiante.

Senão, como explicar, por exemplo, que são os “eternos vitoriosos” (como se imaginam) que não podem contar em público o que fizeram durante aqueles anos? que são os “eternos vitoriosos” os que morrem de medo que sejam abertos os arquivos da ditadura? que são “os eternos vitoriosos” que não podem erguer a cabeça, e olhar firme, olhos nos olhos dos filhos e netos, quando surgem as verdades sobre o passado?

Esses senhores deveriam, pelo menos, se dar conta de suas palavras e, sobretudo, da sua correspondência ou não à realidade, à objetividade factual, para não descambarem para o cômico, o grotesco – o ridículo, enfim, enxovalhando desse modo as nossas Forças Armadas e sua imagem no país e no exterior.


“O vosso tanque, meu general,
É um carro forte (...)
Mas tem um defeito,
precisa de um motorista”

Não se deram conta também, que não basta ter blindados, mísseis e submarinos nucleares e munição capazes de manter seis horas de batalha, para ganhar uma guerra. No caso desses senhores que hoje esperneiam, clamando pelos deuses e ameaçando inauditas vinganças (como se estivessem às vésperas de 64), é indispensável que entendam que, embora importante, não é suficiente ter armas: é necessário ter um programa político que dirija o golpe e, atrás de si, classes, amplos setores sociais organizados – isto é, base social. Talvez alguns deles sequer tenham se dado conta até hoje de que, usando a nova terminologia que acabam de lançar, eles sim, podem ter servido de “idiotas úteis” a um conjunto de classes que, depois de usá-los durante a ditadura (sobretudo para os papéis e tarefas mais sujos), com a redemocratização, esse mesmo conjunto de classes os abandonou à própria sorte, responsabilizando-os por uma “ditadura militar”, expressão que oculta a verdadeira natureza do regime implantado com o golpe, e os expõe (aos militares) enquanto bois-de-piranha, à execração da História.
Ou seja, seria necessário que o atual governo tivesse os inimigos que não tem, tanto em termos internos quanto no plano internacional, para que a nova aventura que parecem querer levar a cabo pudesse dar certo.

Mesmo tendo como ministro da Defesa o senhor Nelson Jobim, o atual governo é suficientemente forte em suas alianças pluriclassistas, para pouco se incomodar com tais arrufos patrioteiros do pessoal do pijama. Mas, apesar disto, não se justifica a decisão do presidente de manter em seu gabinete um ministro que, ao invés de botar ordem em seu Ministério, procura sempre se imiscuir em outras pastas, como um office-boy daqueles que deveria dirigir, em especial nas políticas do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), que têm primado pela defesa intransigente da Constituição e de todo o arcabouço jurídico que conforma a atual República.

Aliás, conviria ao doutor Jobim, sempre de acordo com o que reza a nossa Carta Magna, observar mais o desempenho e a política do senhor Henrique Meirelles (Bank of Boston), frente ao Banco Central. De acordo com a nossa Constituição, além da obrigação de defendê-la, cabe às nossas Forças Armadas defender o país de invasões estrangeiras, garantindo a nossa soberania.

Seminário: 29 anos da Lei da Anistia - Verdades e Mentiras

Seminário: 29 anos da Lei da Anistia - Verdades e Mentiras Democratização e abertura dos arquivos políticosDando continuidade à agenda regular do projeto Memorial da Resistência e da exposição “Direito à Memória e a Verdade”, será realizado o Seminário: 29 anos da Lei da Anistia – Verdades e Mentiras. Organizado pelo Fórum dos Ex-presos e perseguidos políticos do Estado de São Paulo, com apoio do Arquivo Público do Estado e da Pinacoteca do Estado , o evento discutirá temas como: A impunidade dos que perpetraram crimes de lesa-humanidade no Brasil; a promulgação da Lei de Anistia em 1979; a experiência da abertura dos arquivos do DEOPS no Estado de São Paulo, entre outros. O Seminário contará com participação de eminentes figuras públicas e privadas e tem o apoio do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, e da Comissão de Familiares de Presos Políticos Mortos e Desaparecidos. A inauguração do Memorial da Resistência marcou o início da parceria do Fórum dos ex-presos e Perseguidos de São Paulo com a Pinacoteca do Estado, que gerencia o espaço onde funcionava o antigo DEOPS/São Paulo, agora transformado em sede do Memorial, além de abrigar a Estação Pinacoteca.PROGRAMA13h30 - Abertura e coordenação da mesa – Rafael Martinelli – Presidente Fórum13h40 - Palavras do Diretor da Pinacoteca – Marcelo Mattos Araújo13h50 - Palavras do Secretário Adjunto da Secretaria da Cultura - Dr. Ronaldo Bianchi14h10 - Palavras do Secretário da Justiça – Dr. Luiz Antônio Marrey14h30 - Exposição da Dra. Eugenia Augusta Fávero - Procuradora da Republica. “Crimes da Ditadura - Ainda é possível punir?”15h00 - Exposição do Dr. Airton Soares – Ex Deputado Federal e advogado. “A verdadeira história da aprovação da Lei de Anistia”15h30 - Palavras do Dr. Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. “Lei de Anistia: a aplicação da Lei 10.559/02”16h30 - Exposição do Dr. Carlos de Almeida Prado Bacellar, coordenador do Arquivo Público do Estado de São Paulo. “O Arquivo Público do Estado e o acervo DEOPS/SP: A liberação da memória política, uma experiência democrática”.17h00 - Exposição da Profa. Maria Luiza Tucci Carneiro, coordenadora do Projeto Integrado Arquivo Publico do Estado/USP- PROIN. “Desarquivando a Anistia: Arquivo DEOPS”17h30 - Exposição de Ema Franzoni, socióloga, equipe técnica. “O acervo documental do projeto Brasil Nunca Mais, depositado no Arquivo Edgard Leuenroth”.18h00 - Exposição da Profª. Cristina Bruno, vice-diretora do Museu de Arqueologia eEtnologia da USP. “O novo projeto do Memorial da Resistência”18h30 - Sessão de perguntas e respostas19h30– EncerramentoDia 28 de agosto de 2008, quinta-feira, das 13h30 às 19h30E s t a ç ã o P i n a c o t e c aLargo General Osório, 66 – fone 11 3337 0185
Realização
FORUM EX PRESOS E PERSEGUIDOS POLITICOS DE SÃO PAULO
PINACOTECAUNICAMPPROIN/USP – Arquivo Público do Estado de São Paulo

Apoio
Grupo Tortura Nunca Mais SP
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos
Associação dos Aposentados Pensionistas Anistiados Políticos de SP
ACIMANISTIA - Entidade Nacional dos Civis e Militares Aposentados Anistiados