quarta-feira, 20 de agosto de 2008

CONCIDADANIA

Do Veto Espúrio

Valdemar Menezes

16/08/2008 17:14

Nesta segunda feira, desembarca, no Brasil, a convite da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), o juiz espanhol Baltazar Garzon. Ele faz parte de um grupo de juízes da Itália e Espanha que tenta extraditar e julgar integrantes das ditaduras militares da América Latina, acusados de crimes de lesa-humanidade, como tortura e extermínio de opositores. Chega, no momento em que uma facção militar quis colocar um veto no debate sobre o alcance da Lei de Anistia aos torturadores. Ele tomará conhecimento também do manifesto lançado esta semana por respeitáveis juristas brasileiros em defesa dos postulados da democracia e do prosseguimento do debate jurídico e político. O juiz Garzon foi responsável pela prisão do ex-ditador do Chile, Augusto Pinochet, na Inglaterra, e processa agentes do Estado brasileiro envolvidos em tortura e morte de espanhóis durante a ditadura militar. Sua esperança é que a Justiça brasileira faça jus aos tratados internacionais assinados pelo Brasil, desde o fim da Segunda Guerra, que reconhece a tortura como crime imprescritível e insuscetível de anistia. Ele participará de vários eventos que se destinam a tratar da questão dos atentados aos direitos humanos. DIREITOS FUNDAMENTAIS Discutir essa questão, como destacam os críticos, não é querer ficar olhando pelo retrovisor, mas, prevenir o que pode vir pela frente. Por quê? Porque livra o ordenamento jurídico de vícios (falhas) legais que o deixam vulnerável a eventuais investidas antidemocráticas, mais na frente. Quanto mais as instituições brasileiras se adequarem à doutrina dos direitos fundamentais, mais protegidas estarão. E quanto mais se expandir e se consolidar a institucionalidade jurídica internacional que rege os direitos humanos fundamentais, mais o sistema democrático, como um todo, será fortalecido em termos mundiais. Já se consolidou, no Direito Internacional, o entendimento de que a jurisdição sobre os direitos humanos não pode ficar restrita aos limites da soberania nacional. O que se espera é que a OAB-CE, os Cursos de Direito e os vários fóruns de operadores do Direito, no Ceará, dêem sua contribuição a esse debate - como já o faz o Conselho Federal da OAB -, levando avante, sem temor, essa discussão, o quanto antes. EQUÍVOCOS DO DEBATE Elenco de equívocos: 1) quando se diz que a bandeira da anistia ampla, geral e irrestrita, defendida pela oposição, implicava na anistia dos agentes torturadores. Não é verdade: o conceito dizia respeito à incorporação de todos os que militaram contra a ditadura. O regime pretendia, na época, deixar de fora da anistia (como deixou) os participantes da luta armada. Estes só saíram da prisão porque suas penas foram reduzidas. Não por anistia (só alcançada depois da Constituinte). Alguns já tinham cumprido quase dez anos de prisão; 2) que teria valido para os dois lados. Não: pois torturadores e torturados não se igualam perante a legislação. A tortura é classificada pela doutrina dos direitos humanos como crime comum, imprescritível e não sujeito à anistia, não podendo ser considerado crime conexo ao político. Segundo o Direito Público, o servidor só pode fazer o que a lei explicita. E esta - mesmo na ditadura - não determinava a prática da tortura; 3) Anistia prévia dos agentes torturadores é válida. Não: para alguém ser beneficiário da anistia é preciso ser identificado, e seu crime examinado para saber se se enquadra nas condições da lei. Não foi o que aconteceu com os torturadores; 4) as torturas e mortes atingiram apenas os que pegaram em armas ou tramavam contra o regime. Não é verdade: agentes do Estado torturavam inocentes (familiares ou amigos dos procurados) ou os que atuavam por meios pacíficos. É o caso de Vladmir Herzog e de Manuel Fiel Filho, mortos, depois de presos, no DOI/Codi de São Paulo.

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