terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Deputados entregam representação contra torturador confesso da ditadura ao Procurador-Geral da República

CRIMES DE TORTURA
03-12-2008

Foi protocolada nesta quarta-feira (3), na Procuradoria-Geral da República, uma representação assinada por nove deputados federais contra Marcelo Paixão de Araújo, ex-tenente do Exército de Minas Gerais e torturador confesso.Subscrevem o documento os seguintes parlamentares: Paulo Teixeira (PT-SP), Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), Chico Alencar (PSol-RJ), Iriny Lopes (PT-ES), Janete Pietá (PT-SP), Jô Moraes (PCdoB-MG), Luiz Couto (PT-PB), Luiza Erundina (PSB-SP) e Pedro Wilson (PT-GO).
Pouco antes de protocolar a representação, o grupo teve audiência com o Procurador-Geral da República, Antonio Fernando de Sousa. O encontro ocorreu na sede da Procuradoria-Geral e durou cerca de vinte e cinco minutos.Segundo Paulo Teixeira (PT-SP), que já havia feito pronunciamento na Câmara a respeito do caso Marcelo Paixão, em agosto passado, esta iniciativa pode estimular as vítimas da ditadura a apresentarem denúncias contra os torturadores espalhados pelo país. "A tortura é um crime contra a humanidade e não há prescrição para isso.

Além de cobrar a responsabilização civil e penal do torturador, o que contribui para o combate à impunidade e à injustiça e fortalece as bases da nossa democracia, a ação pode fazer com que as pessoas que sofreram e ainda hoje sofrem esse tipo de violência denunciem os responsáveis por tais atos, para que esse tipo de prática seja superada de uma vez por todas na sociedade brasileira", afirma o deputado, autor da iniciativa.

A representação tem base nas competências constitucionais do Ministério Público inscritas no Art. 129 da Constituição Federal, e no Art. 27 do Código Penal e do Art. 6º da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985. A peça correrá na Procuradoria da República em Minas Gerais, onde está domiciliado o alvo da ação.
Torturador confesso – Em dezembro de 1998, o militar aposentado Marcelo Paixão de Araújo confessou à revista Veja, em reportagem de Alexandre Oltramari, ter torturado cerca de trinta pessoas. Na entrevista, Marcelo revela em detalhes como torturava os presos do 12º Regimento de Infantaria do Exército em Belo Horizonte(MG), onde serviu entre 1968 e 1971 como tenente. O local ficou conhecido como um dos principais centros da repressão do regime militar na capital mineira. Após a publicação da reportagem, Oltramari foi detido arbitrariamente, a pedido de Marcelo Paixão. Sua prisão consta no Relatório de Violência contra Jornalistas da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) de 1998.

Na peça, os parlamentares solicitam ao Ministério Público Federal que adote "todas as medidas cabíveis voltadas a identificar cada um dos crimes contra a humanidade cometidos pelo Sr. Marcelo Paixão de Araújo durante o período de 1968 a 1971", bem como a responsabilização civil e criminal do ex-tenente.

Outra medida requerida é a apuração se alguma das vítimas do torturador teve direito a indenização pelos crimes da ditadura. Em caso positivo, a representação propõe que a União deve ser ressarcida por Marcelo Paixão pelos gastos que teve em função dos crimes por ele cometidos. Vale registrar que Marcelo é herdeiro de uma das maiores fortunas de Minas Gerais (Banco Mercantil, Minas-Brasil Seguradora, entre outras empresas).

O documento dos parlamentares cita a Convenção de Haia, de 1907, que definiu o conceito de crime contra a humanidade. O Brasil ratificou tal documento em 02/01/1914 e o promulgou por meio do Decreto 10.719, de 04/02/1914. Logo, desde então, admite os princípios de direito internacional como fonte normativa e compromete-se com a sua observância e aplicação.

Paulo Teixeira pede urgência em todo o processo. "É chegado o momento em que os torturadores devem ser chamados à responsabilidade pessoal, eliminando-se essa falsa idéia de que os atos de tortura por eles cometidos estariam protegidos pela anistia ou pela prescrição", declara o deputado.Repercussão e direito à memória – A iniciativa deve repercutir bastante nos próximos dias, com a celebração do sexagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no dia 10 de dezembro, e a realização da XI Conferência Nacional de Direitos Humanos, entre 15 e 18 de dezembro, em Brasília(DF). A Conferência contará com a participação de mil e duzentos delegados e delegadas, parte eleita nas vinte e sete unidades da federação e outra parte indicada pelo poder público, além de trezentos observadores e convidados nacionais internacionais atuantes no campo dos direitos humanos.

Apresentada num momento onde o debate sobre direito à verdade e à memória – particularmente sobre o período ditatorial recente (1964-1985) – envolve figuras do alto escalão dos três poderes da República, a representação também possui o objetivo de evitar que a impunidade dos agentes da ditadura militar sirva de estímulo à continuidade da tortura nas delegacias, presídios e demais instituições da segurança pública brasileira.

Várias organizações da sociedade civil, como o grupo Tortura Nunca Mais, o Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos (FENDH), o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entre outras, têm cobrado medidas do poder público para que seja garantido o direito à memória e à verdade, bem como a abertura do processo legal contra os torturadores da ditadura e o cumprimento das devidas punições.

Leia na íntegra a Representação:


A matéria da revista Veja com a entrevista de Marcelo Paixão está disponível em:

Um comentário:

Anônimo disse...

Há outros réus confessos, como os que pediram reparações por danos psicológicos por terem torturado ou assassinado militantes da guerrilha do Araguaia por razões de 'obediência hierárquica'. Punição para eles, também, que já confessaram publicamente tais crimes. Quanto aos que não os confessaram, há testemunhas, relatos escritos e documentos probatórios, em muitos casos. O Brasil é um dos poucos países que ainda não responsabilizaram os agentes públicos que mataram e torturaram em nome da 'ordem pública'.