30/11/2008 - 02h13 Folha Online
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega à segunda metade do segundo mandato devedor em duas áreas importantes e correlatas: direitos humanos e direito à informação.
Seria infantil negar avanços na primeira delas. O secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, tem feito um bom trabalho. Lançado em agosto do ano passado, o livro "Direito à Memória e à Verdade" foi o primeiro documento do governo federal a acusar claramente a ditadura militar de 1964 de atos cruéis contra opositores que não podiam mais reagir -como decapitação, esquartejamento, estupro, tortura de modo geral, ocultação de cadáveres e execução.
O livro relatou os 11 anos de trabalho da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos, instância que integra a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, órgão comandado por Vannuchi, ele próprio um ex-preso político.
Mas Lula parou por aí. A entrada de Nelson Jobim no Ministério da Defesa teve o mérito de resolver a crise área, mas o demérito de levar para o centro do poder uma figura que tem sido muito conservadora, exercendo uma influência nesse sentido sobre Lula e colegas de ministério.
Jobim é da turma dos que acham que questionar se a Lei de Anistia (1979) perdoou crimes de tortura geraria uma crise militar. Ora, crise militar? As Forças Armadas hoje são profissionais e não têm o menor espaço para se intrometer na vida política. Alimentar o fantasma de crise militar quando se defende que tortura é crime imprescritível soa anacrônico, para ser elegante.
No fundo, é uma reação corporativa e conservadora. Pena que essa visão tenha sido aceita na cúpula do governo por ministros que participaram da luta armada e que foram perseguidos pela ditadura.
Lula assumiu uma posição vexatória, algo acovardada. A AGU (Advocacia Geral da União) acha que a Lei de Anistia perdoou os crimes de tortura. O presidente poderia mudar essa opinião _um parecer jurídico, mas também político. No entanto, o presidente preferiu fingir que não é com ele, deixando a decisão para o STF (Supremo Tribunal Federal).
O fato de a decisão caber à Justiça não significa que Lula não possa ter opinião. Seu governo, representado pela AGU, poderia e deveria defender uma posição mais progressista.
Sigilo eterno
A última do governo Lula na área de direito à informação vai dar pano para manga. O governo prepara uma nova mudança das regras de acesso a informações confidenciais.
A tendência é a manutenção do chamado sigilo eterno possibilidade de manter em segredo por tempo indeterminado documentos que uma comissão julgar que são ameaçadores ao Estado brasileiro.
O sigilo eterno é um crime histórico. Não há informação que não possa ser de conhecimento da sociedade após determinado período. No caso concreto, o governo deseja esconder informações do tempo da Guerra do Paraguai (1864-1870).
O Ministério das Relações Exteriores sustenta uma posição desde o governo do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2002): manter em segredo documentos que se referem à demarcação de fronteiras do Brasil com países vizinhos ao final daquela peleja.
É absurdo manter em segredo documentos com mais de cem anos. O argumento do Itamaraty é que seria criada uma crise diplomática com o Paraguai. Em 2004, a Folha revelou que autoridades brasileiras subornaram árbitros que demarcaram fronteiras, subtraindo território do Paraguai no século 19. A Argentina, aliada do Brasil na Guerra do Paraguai, também teria se beneficiado do mesmo experdiente, de acordo com documentos ultra-secretos mantidos em sigilo.
Em relação aos arquivos da ditadura, o governo avalia que os documentos têm pouco poder de gerar grandes polêmicas. As Forças Armadas sustentam que muitos documentos foram destruídos. No Palácio do Planalto, há desconfiança de que estejam em mãos privadas. Se foram queimados, é preciso apurar quem mandou queimar ou quem não guardou como deveria tal documentação.
O Brasil merece conhecer integralmente a sua história. É um crime histórico continuar a ocultar eternamente ações desabonadoras do passado. Lula deveria abrir todos os arquivos oficiais e estipular regras claras e democráticas para acesso a documentos públicos. Mas não parece ser essa a decisão que virá a público. Uma pena. Uma comissão de notáveis vai dizer o que os brasileiros poderão ou não saber.
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