sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Governo quer reunir papéis inéditos da ditadura

Lula lançará edital e campanha estimulando doação de arquivos particulares sobre período
Roldão Arruda

Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para julgar o alcance da Lei de Anistia e a prescritibilidade - ou não - dos crimes de tortura praticados por agentes públicos durante a ditadura militar, a Presidência da República organiza uma campanha destinada a reunir mais documentos sobre a repressão política naquele período, entre 1964 e 1985. Nos próximos dias, o presidente Luiz Inácio da Silva lança um edital, acompanhado por uma campanha publicitária, destinado a estimular a doação de documentos e arquivos particulares para instituições públicas.
Na opinião de um dos mentores da campanha, o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, há arquivos do período que os brasileiros não conhecem: "São arquivos que desapareceram das repartições públicas. Se não estão lá, é porque foram retirados de maneira irregular e, presumivelmente, estão em mãos de antigos integrantes do aparelho da repressão."
A esperança do ministro é obter mais pistas para a localização dos restos mortais de aproximadamente 140 pessoas, opositores do regime militar, desaparecidas desde aqueles anos. "Lula quer todo o empenho para se preencher as lacunas de informação", diz Vannuchi.
O governo vai garantir sigilo para os doadores dos arquivos. Também vai garantir que não fará nenhum tipo de confisco. Se o proprietário não quiser doar os documentos que possui, pode permitir a sua digitalização - para que sejam postos à disposição de pesquisadores.
A campanha para estimular a doação de documentos faz parte um projeto mais amplo, chamado Memórias Reveladas: Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985). Coordenado pela Casa Civil, é patrocinado por quatro instituições estatais, com base na Lei Rouanet, que prevê incentivos fiscais a empresas e pessoas que patrocinem empreendimentos culturais.
Desde o segundo semestre do ano passado, quando o projeto começou a deslanchar, as quatro instituições - Petrobrás, Eletrobrás, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Caixa Econômica Federal - destinaram R$ 2,6 milhões para suas atividades. Por outro lado, o Arquivo Nacional, órgão vinculado à Casa Civil e responsável pela execução do projeto, teve um aporte orçamentário de R$ 1,7 milhão em 2007.
INTEGRAÇÃO
A idéia básica de Memórias Reveladas é digitalizar e integrar os principais arquivos do País com informações sobre os anos da ditadura. Um deles é o arquivo do Serviço Nacional de Informações, o temido SNI, entregue em 2005 ao Arquivo Nacional, com 220 mil fichas e quase 2 milhões de páginas de texto, todas microfilmadas.
No momento, estão sendo unificados os arquivos estaduais que herdaram o material da polícia política dos Estados, que se abrigava sob a sigla do também temido DOPS - Departamento de Ordem Política e Social. Até agora, 14 Estados aderiram ao projeto. Os que contêm mais documentos são os do Rio, São Paulo e Pernambuco, nesta ordem.
Desse grande banco de dados sobre a ditadura militar também devem fazer parte arquivos de universidades e alguns particulares. Desse último grupo, pode ser citado o arquivo da Cáritas da Arquidiocese do Rio de Janeiro - instituição que, sob o comando do então arcebispo d. Eugênio Salles, acolhia e escondia refugiados políticos de outros países do continente, ao mesmo em que procurava refúgio para eles em países democráticos, especialmente na Europa.
"Há uma expectativa muito positiva em torno do projeto", afirma o diretor do Arquivo Nacional, Jaime Antunes da Silva. "Estamos estabelecendo um modelo de política pública de preservação de acervos, que poderá se espraiar para outros projetos, outras temáticas. Ele permitirá ao pesquisador navegar por diversos arquivos, em diferentes Estados. Será uma revolução."Além de Vannuchi, na cúpula do governo o projeto tem sido apoiado de maneira entusiástica pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, presa e torturada nos anos da ditadura.

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