domingo, 23 de novembro de 2008

A tortura define hoje a polarização da disputa de 2010

EDITORIAL
BRASIL DE FATO
Edição 299
SP. 17.11.2008

Bem, o que até então (apesar de óbvio) era jogado nos bastidorers e por trás das cortinas, se escancarou: a disputa sobre a sucessão presidencial em 2010 definiu o terreno da polarização pelo menos para os próximos meses.

De um lado, pela ultradireita, os que acobertam os crimes de tortura, seus agentes e mandantes, apostando numa aliança PMDB-Tucanos, PMDB-PT ou, quiçá, PMDB-Tucanos-PT, em chapa encabeçada pelo ministro da Defesa, doutor Nelson Jobim; pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, doutor Gilmar Mendes, ou pelo governador de São Paulo, o economista José Serra, que tenta aglutinar em torno de si o que há de mais reacionário e fisiológico no país, juntando do DEM a qualquer outra coisa que esteja à disposição.

Do outro lado, as forças que, na defesa da construção e aprofundamento de uma sociedade democrática, se alinham em torno do esclarecimento dos crimes da ditadura, e punição, nos termos da lei e do Estado democrático, dos responsáveis (diretos e mandantes) por tais crimes: inafiançáveis e imprescritíveis. Esta é a posição oficial do Partido dos Trabalhadores, decidida em congresso e reiterada em nota lançada há duas semanas pela sua Executiva Nacional; do PCdoB, do PCB e do PSOL – embora não caracterize um bloco. Certamente outras forças se alinham a esse “campo”, mas não conhecemos ainda suas manifestações oficiais a respeito.

A posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o assunto, no entanto, não é clara. Permanece silente. Mas faria muito bem o senhor presidente se seguisse as orientações do seu partido.

Por sua vez, o ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso (tucano), declarou:
"Que houve tortura, houve. Não se pode negar. Mas lei é lei, e se há anistia, há anistia. Só que isso não significa que não se deva avançar na investigação sobre os responsáveis”. Ou seja, como diria Pirandello, “Assim é se lhe parece”. Uma absoluta falta de compostura para um homem da sua geração, que esteve exilado e que tem as responsabilidades que tem. Obsceno. Mais obsceno que se houvesse silenciado.


Então, ficamos
combinados

É preciso ficar claro que, antes de tudo, quando utilizamos a expressão “ultradireita” é por que entendemos que a tortura, bem como a conivência com sua prática, é atributo da ultradireita. E não venham os ultradireitistas envergonhados (ou mais desavergonhados que aqueles que se assumem enquanto tais, e dos quais se fazem porta-vozes) com exemplos internacionais e outras tergiversações e hipóteses em contrário, do tipo (tão na moda) “a esquerda queria substituir uma ditadura por outra”, ou “nos países socialistas e comunistas...”. O fato concreto é que, em nosso país, a tortura foi e continua a ser um instrumento do capital para a contenção social e para a eliminação de seus adversários políticos. Desde o modo de produção que aqui se implantou com a escravidão de índios e negros. A nossa esquerda (comunistas, socialistas de todos os matizes, etc.) jamais torturou. Sequer prisioneiros de guerra (militares ou civis) que teve em seu poder. É deste país concreto que tratamos.
E quando afirmamos que a tortura, atributo da ultradireita, é um crime inafiançável e imprescritível, implica nosso compromisso histórico de jamais nos utilizarmos desses métodos e de lutarmos para que ele seja banido de uma vez para sempre das relações entre os homens.


Gigolôs, cafetões e
bacieiros de torturadores

Infelizmente, porém, apesar da longa batalha que vêm travando as entidades de defesa dos Direitos Humanos, e dos esforços dos atuais ministros da Justiça, Tarso Genro, e da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi – com o apoio inequívoco da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff –, e da sensibilidade da maioria das organizações e movimentos de trabalhadores e do povo frente a essa questão, parece ainda ser longo o caminho a ser percorrido.

Além de enquistada em diversos pontos do aparelho de Estado e órgãos do Governo (dos três Poderes e em todas as esferas), a ultradireita (como é a regra em nossa História) tem na grande mídia comercial, outro dos seus mais fortes bastiões nessa conspiração. A desabrida e vergonhosa campanha desencadeada por essa mídia em defesa dos torturadores e da tortura é de fazer corar (ou, no caso, remexer-se na tumba) o senhor Carlos Lacerda, um dos mais virulentos defensores das mais sórdidas e reacionárias campanhas do pós-guerra em nosso país. Felizmente, os que se dispõem a fazer este serviço hoje para a grande mídia comercial, não têm o peso político, o talento e a verve jornalística do velho e sinistro Corvo – como era conhecido o senhor Lacerda que, além de deputado, foi governador do Rio de Janeiro (UDN). Os atuais, não passam de pequenos e míseros gigolôs, cafetões e bacieiros de torturadores e outros bate-paus (às vezes, quem sabe, até reféns do crime organizado).

Mas o fato é que esta é a mais grave conspiração que enfrentamos desde o final da ditadura. Assim, ou somos capazes de construir uma sólida frente em torno dessa questão para enfrentar a ultradireita, ou iremos enfrentar a grande crise internacional que se avizinha, sob um governo de ultradireita, hegemonizado por torturadores, seus defensores, gigolôs, cafetões e bacieiros – o que será o caos.


PS
"Descumprir a Constituição, jamais. Afrontá-la, nunca. É imperativo que o Supremo Tribunal Federal se manifeste em relação à Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental, em que o Conselho Federal da OAB pede que defina se os crimes de tortura, praticados ao tempo da ditadura militar, sendo comuns e de lesa-humanidade, podem ser abrangidos pela Lei da Anistia”.
Este foi um dos principais temas da Carta de Natal, divulgada no sábado, dia 15 de novembro no encerramento da XX Conferência Nacional dos Advogados, realizada em Natal (RN).

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