sábado, 8 de novembro de 2008

Julgadores facciosos dos direitos humanos

JARBAS PASSARINHO

Folha de São Paulo
07nov08
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Perto de 30 anos passados da anistia, o esquecimento é unilateral. O ódio ideológico, o mais perverso dos ódios, prevalece
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GUARDO A lição de Franklin Delano Roosevelt quando afirmou que as liberdades fundamentais estão sintetizadas em não ter fome, não ter medo, livre culto religioso e respeito à privacidade das pessoas. A liberdade de não ter medo embasa-se no direito de expressar livremente o pensamento.

As facções que desencadearam a luta armada de 1967 a 1974 (todas comunistas, exceto Caparaó) lutaram pela ditadura do proletariado, segundo a cartilha marxista. Mais recentemente, diziam ter lutado pela democracia, contra o que se insurgiu, indignado com a mentira, Daniel Aarão Reis, ex-guerrilheiro, preso e exilado, hoje professor universitário: "Nenhum documento das guerrilhas tratou de democracia", contestou.

Claro, pois, marxistas, visavam à ditadura do proletariado. De resto, se vencedoras, teriam erigido um regime de partido único, como o fez Lênin. É paradoxal o defensor do partido único invocar direitos humanos se nega a liberdade de expressão e a pluralidade partidária quando no poder.

O ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) foi militante da Ação Libertadora Nacional, liderada por Marighella, cujo manual de guerrilha defendia o terrorismo, diferentemente de Che Guevara, que o condenava.

Se o ministro fosse um Sobral Pinto ou um Paulo Brossard, eu teria certeza de sua imparcialidade. Reconheceria que a tortura e o terrorismo são irmãos xifópagos, a primeira, uma praga existente desde priscas eras, presente em todas as guerras, e o segundo, não tão antigo. Afinal, a Constituição trata ambos como crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça.

Já que o ministro faz diferença, teoricamente ao menos, julgo-o um revanchista, do tipo que, derrotado, está hoje no governo de um presidente que não foi guerrilheiro.

Antecessor seu na Comissão de Anistia foi outro militante de guerrilha comunista vencida. O objetivo deles tem sido muito claro: queixar-se de torturas na luta armada e esconder o terrorismo que praticaram. Falta-lhes, pois, substância moral para a queixa mesclada de ódio, a despeito dos benefícios já recebidos.

Só em indenizações, já receberam mais de R$ 2 bilhões. Nem um centavo para as famílias dos mortos e mutilados no atentado terrorista no aeroporto de Recife, em 1966, primeiro ato da luta armada que desencadearam. Pensão vitalícia, remuneração por atrasados e emprego livre de Imposto de Renda, tudo foi obtido por um dos terroristas que lançaram carro-bomba contra o quartel do Exército em São Paulo, cuja explosão estraçalhou o corpo de um soldado. Os filhos do povo, os vigilantes de bancos, os seguranças de embaixadores, os oficiais estrangeiros mortos à traição (e até por engano), esses não tinham pais, mães, esposas, filhos.

A emenda constitucional nº 11, de outubro de 1967, revogou o AI-5 e restabeleceu os direitos fundamentais.

Seguiu-se-lhe a anistia, mais ampla que o substitutivo do MDB, que não anistiava Brizola e Arraes. Reconhecendo que houve excessos de ambas as partes, o projeto de lei da anistia incluiu na graça os crimes conexos, assim tidos pelo Congresso em 1979, como a tortura e o terrorismo.

FHC acrescentou as indenizações que privilegiam os derrotados na luta armada. Inverteram o humanitismo de Quicas Borba e o princípio: aos vencedores as batatas. As batatas foram para os vencidos. Millôr Fernandes não pôde conter o chiste: "Os guerrilheiros não fizeram guerra, mas um bom investimento".

Bem pagos, cresceu-lhes a ambição de derrogar unilateralmente a anistia.

Imitando Janus, são bifrontes: um rosto é dedicado à tortura, que é o mal, e o outro, ao terrorismo, sobre o qual silenciam. Apareceram "juristas" doutrinando sobre a imprescritibilidade da tortura, mas omitem o terrorismo. Um jurista de esquerda tradicional, indelicadamente, chamou de "burocratas jurídicos" o ministro da Defesa e o advogado-geral da União, que dele discordam. O menosprezo evidencia a marca da ideologia, e não a do saber jurídico.

A propósito, declarou o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes: "Repudio qualquer manipulação ou tentativa de tratar unilateralmente casos de direitos humanos. Eles não podem ser ideologizados. É uma discussão com dupla face, porque o texto constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível".

Vannuchi, arrogante, exibe o vezo do totalitarismo de que foi militante: ameaça demitir-se (que perda para o país!) se o parecer da AGU, reconhecendo a anistia para os crimes conexos, for mantido. Aprendeu de Lênin e seu centralismo democrático: "quem não estiver comigo é contra mim". Ousa constranger, publicando declaração do presidente que se refere aos cadáveres de comunistas desaparecidos há 40 anos no clima quente e úmido da Amazônia, e não à anistia.

O presidente João Baptista Figueiredo disse que a anistia não implicava perdão, que pressupunha arrependimento não pedido, mas esquecimento recíproco, em favor da reconciliação da família brasileira. Perto de 30 anos passados, o esquecimento é unilateral. O ódio ideológico, o mais perverso dos ódios, prevalece.


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JARBAS PASSARINHO, 88, é coronel da reserva. Foi governador do Pará (1964-65) e senador por aquele Estado em três mandatos (1967-74, 1975-82 e 1987-95), além de ministro da Educação (governo Médici), da Previdência Social (governo Figueiredo) e da Justiça (governo Collor).

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