segunda-feira, 10 de novembro de 2008

"A ORDEM ERA ATIRAR PRIMEIRO"

Isto É

Documentos e depoimento de oficial revelam como o Exército cercou, torturou camponeses e aniquilou os guerrilheiros do PCdoB no Araguaia

Alan Rodrigues, de Campo Grande (MS)


AMAPÁ Exército recrutou tropa especial na base de Clevelândia do Norte


O 1º tenente José Vargas Jiménez, hoje na reserva, participou da terceira fase da operação militar que aniquilou a Guerrilha do Araguaia. A seguir, os prin cipais trechos de sua entrevista à ISTOÉ:

ISTOÉ - Que ordens o sr. recebeu ao chegar ao Araguaia?
José Vargas - Desembarquei na fase do extermínio dos guerrilheiros. A ordem era atirar primeiro, perguntar depois.

ISTOÉ - Como assim, extermínio?
Vargas - Recebemos ordem para matar todos. E matamos. Se algum guerrilheiro sobreviveu à terceira fase, foi porque colaborou com a gente e ganhou uma nova identidade.

ISTOÉ - Como foi a ação?
Vargas - Os guerrilheiros jamais esperaram um exército descaracterizado, com ordem para exterminar. Não era uma guerra regular. Primeiro, prendemos todos os homens da região. Criamos um Grupo de Autodefesa (GAD), formado por moradores bem remunerados, que nos ajudavam entregando os comunistas. Depois que matamos os comandantes da guerrilha, os outros ficaram perambulando famintos pela selva. Numa tática de desmoralização, quando eles eram capturados, eles eram amarrados pelo pescoço e expostos pelas ruas dos vilarejos.

ISTOÉ - Isso foi feito com algum líder da guerrilha?
Vargas - Era para humilhar. Desfilamos com o corpo de Oswaldão, o líder máximo deles, dependurado num helicóptero. Foi o fim do mito.

ISTOÉ - Houve ordens para decapitar os guerrilheiros?
Vargas - Foram três os decapitados. Mas foram exceções. Não tínhamos fotos desses guerrilheiros e não dava para carregar os corpos deles pela selva. Para identificá-los depois, cortaram-se a cabeça e as mãos.

ISTOÉ - Quem reconhecia?
Vargas - Entregávamos vivo ou morto para o serviço de inteligência. Alguns ficaram na mata.

ISTOÉ - Onde estão os corpos dos guerrilheiros?
Vargas - Vários ficaram na selva e foram comidos pelos bichos. Mas, se alguém sabe onde estão, esse alguém é o Curió, que ficou encarregado da Operação Limpeza.

ISTOÉ - O que foi a Operação Limpeza?
Vargas - Era uma ação que retirou as ossadas dos guerrilheiros da selva. Dessa operação, eu só ouvi falar. O que dizem é que em 1975 o Curió retirou todos os corpos e os levou para a Serra das Andorinhas. Quando o Curió falar, chega-se à verdade final.


GUERREIROS DA SELVA Vargas treina seus comandados em Belém, antes da batalha



ISTOÉ - O que os militares têm a esconder?
Vargas - Eu, por exemplo, capturei dois guerrilheiros e os entreguei vivos ao comando. Eles constam na lista de mortos e desaparecidos políticos.

ISTOÉ - Quem são eles?
Vargas - O Piauí e o Zezinho.

ISTOÉ - E o combate à guerrilha urbana?
Vargas - Se as forças do Estado tivessem sido radicais nas cidades, não teríamos ministros comunistas fazendo o que querem. Os militares que atuaram nas cidades foram muito tolerantes.
ISTOÉ - O sr. acha, então, que os grupos de esquerda nas cidades também deveriam ter sido exterminados?
Vargas - Claro. Se o pessoal que está sendo processado, como o Ustra (coronel Brilhante Ustra), tivesse feito o que fizemos no Araguaia, não teríamos esses aí no poder. Em vez de os ministros do governo Lula ficarem quietos e agradecerem por estar vivos, ficam com revanchismo.

ISTOÉ - O sr. admite a tortura?
Vargas - Torturar é normal numa guerra. Para obter informações, você tem que apelar, fazer uma tortura, senão o cara não conta.

ISTOÉ - Tortura é crime.
Vargas - Não existe lei numa guerra. Você mata ou morre. A tortura nunca vai acabar. É assim que funciona.



FOLGA Disfarçado, Vargas passeia com o filho em Marabá, em janeiro de 1974


ISTOÉ - O sr. torturou e matou?
Vargas - Vi muito guerrilheiro sendo torturado na base de Bacaba, mas eu só apertei um camponês que não queria falar. Coloquei ele nu em um pau-dearara, com o corpo lambuzado de açúcar, em cima de um formigueiro. Quando as formigas começaram a subir pelo corpo dele, o camponês contou tudo. Mas ele ficou vivo.

ISTOÉ - Como eram as torturas?
Vargas - As técnicas eram colocá-los em pé o dia inteiro em cima de latinhas, apoiando apenas um dedo na parede. Tinha o "telefone" - tapas nos ouvidos - e socos em pontos vitais, além de choques elétricos.

ISTOÉ - Por que o sr. resolveu fazer essas revelações?
Vargas - Tenho esses documentos guardados há muitos anos. Depois que voltei a estudar, me politizei. Achei que a história do Brasil deveria ser contada como de fato aconteceu.

ISTOÉ - E a ordem para destruir os documentos?
Vargas - Veio em 1985, quando eu estava no Serviço de Inteligência do Exército.

ISTOÉ - Existe um arquivo sobre a Guerrilha do Araguaia?
Vargas - Eu acredito que o CIE deve ter arquivo.

ISTOÉ - O sr. acha que o governo deveria abrir esses arquivos?
Vargas - Acho.

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