sábado, 8 de novembro de 2008

O presidente e o coronel no banco dos réus



Enviado por Ricardo Noblat - 4.11.2008 8h31m
Comentário




Será lançado na próxima sexta-feira, dia 7, na Feira do Livro de Porto Alegre, o Operação Condor – O Seqüestro dos Uruguaios: uma reportagem dos tempos da ditadura (ed. L&PM, R$ 49).
É um relato de 472 páginas do jornalista Luiz Cláudio Cunha sobre os anos de chumbo da ditadura brasileira, a partir do seqüestro dos uruguaios Universindo Díaz e Lílian Celiberti e seus dois filhos em novembro de 1978 em Porto Alegre - um vôo da Operação Condor que alinhou agentes da repressão do Uruguai e do Brasil numa mesma ação clandestina e ilegal.
Mais do que isso, o livro de Cunha bota lenha na fogueira de um tema que hoje divide o governo Lula: a tortura. De um lado, a Advocacia-Geral da União (AGU), que se dispõe a defender o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, criador e chefe do DOI-CODI do II Exército na fase mais dura da ditadura Médici (1970-74), o centro de torturas da rua Tutóia onde morreram, entre outros, o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho.
Contra essa intenção defensiva da União se insurgem três importantes ministros de Lula que se batem pela pretensão punitiva aos torturadores: Tarso Genro (Justiça), Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) e Dilma Rousseff (Casa Civil).
A AGU resolveu trombar de frente com o Ministério Público de São Paulo, que tenta punir como torturadores os ex-majores Audir Santos Maciel e Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandantes do DOI-CODI paulista nos anos 70, período de violência e tortura em que morreram 64 dissidentes políticos.
Os três ministros, de clara militância em organizações guerrilheiras que combateram a ditadura pelas armas, sustentam que a tortura é um crime de lesa-humanidade, imprescritível, que não está coberta pela Lei de Anistia que a AGU invoca para defender os militares, sob a concordância de Lula.
Lula tem menos autoridade na carne para se opor a seus ministros. Em 1980, o líder sindical de São Bernardo ficou 31 dias preso no DOPS, sob um tratamento ameno do diretor e futuro senador Romeu Tuma. Lia jornais, tinha um rádio para animar o dia e recebia todo dia suco de laranja. Não sofreu nenhuma violência física.
Apesar disso, Lula é uma das 25 mil pessoas que recebem a 'bolsa-ditadura' que o governo paga às vitimas do regime militar. Desde 1996, sete anos antes de chegar ao poder. Lula embolsa um cheque de R$ 4.508 mensais pelo desconforto daquele mês vivido na pensão compulsória do DOPS de Tuma.
Os três ministros que divergem de Lula somam, no total, mais de oito anos de cana dura, de maus-tratos e violência. Vanucchi pegou cinco anos de prisão, como militante da ALN, Dilma amargou três anos de cadeia e muita tortura na rua Tutóia onde brilharam os majores Santos Maciel e Brilhante Ustra. Tarso Genro, militante da Ala Vermelha, dissidência do PCdoB, passou três dias de 1970 preso no DOPS gaúcho e aproveitou uma brecha de liberdade para fugir para o Uruguai.
A intempestiva ação da AGU põe Lula, solidário, no banco dos réus onde senta o hoje coronel da reserva Brilhante Ustra. É uma companhia injusta com a biografia limpa de Lula e uma afronta direta à história política de seus três companheiros de ministério – Tarso, Vannuchi e Dilma.
Lula vai ficar ainda mais chateado se ler o livro de Luiz Cláudio Cunha, onde são citados os três maiores e mais temidos nomes da repressão brasileira: os delegados Sérgio Fleury, do DOPS paulista, Pedro Seelig, do DOPS gaúcho, e o coronel Brilhante Ustra, do DOI-CODI. Os dois últimos são citados, com detalhes, neste livro sobre o seqüestro dos uruguaios.
O delegado Seelig, como chefe do lado brasileiro da operação binacional que sequestrou Lilian e Universindo em 1978. O coronel Brilhante Ustra, ex-chefe do Setor de Operações do Centro de Informações do Exército (CIE), como ponto de orientação do comando uruguaio que penetrou a fronteira brasileira com aval das autoridades do Exército brasileiro em Porto Alegre e em Brasília.
É difícil entender a postura de Lula e seu advogado-geral na defesa do coronel Brilhante Ustra. Nem Lula, nem o governo, nem o atual Exército brasileiro têm algo a ver com as violências praticadas pela máquina da repressão nos idos chumbados em que Lula e seus ministros eram considerados inimigos da pátria.
Nenhuma anistia, nenhum perdão justifica a tolerância de Lula, hoje, com os torturadores do passado. O sono do presidente ficará mais leve, certamente, após a leitura que refaz os passos do coronel. E mais leve, com certeza, ficará a consciência nacional, ao ver que o presidente da República não escolheu o lado errado da história – o lado da tortura.

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