sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Como reparar

Jornal O POVO (Fortaleza) / Opinião – 13.10.2008
EDITORIAL

A Justiça brasileira parece ter encontrado um caminho para dar satisfação às vítimas de crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura

A consolidação do regime democrático, no Brasil, criou as condições para que a Justiça enfrentasse um dos passivos mais delicados deixados pela ditadura militar: a questão da violação dos direitos humanos por agentes do Estado brasileiro. Nos meados da semana que passou, o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo, entre 1970 e 1974, foi condenado pela prática de tortura contra três pessoas de uma mesma família. Para tanto, as vítimas (família Teles) entraram na Justiça com uma ação cívil declaratória (que não implica punição penal), exigindo o reconhecimento do crime de tortura de que teriam sido vítimas e a identificação do responsável. Só isso. Foi o que fez a Justiça, comprovando o crime e identificando o torturador: o coronel Ustra. Até então, processos contra torturadores tinham esbarrado na Lei de Anistia, de 1979 que, supostamente, os teria anistiado previamente. A ação declaratória seria apenas uma forma de dar satisfação às famílias que tiveram membros torturados, "desaparecidos" ou mortos, depois de presos. Em sua justificativa, advogados das vítimas costumam alegar que os militantes políticos (a quem o regime acusava de ter cometido crimes políticos ou conexos a estes) foram identificados, presos, cumpriram prisão ou foram exilados, e todas as suas ações e responsabilidades foram identificadas. Em contraposição - argumentam -, os agentes do Estado, supostos torturadores das vítimas, foram anistiados previamente, sem ser identificados. Para haver uma anistia, insistem eles, é preciso que os beneficiários sejam identificados para que se saiba se podem ou não ser enquadrados na lei. Por exemplo: os militantes envolvidos na luta armada contra o regime, e condenados como praticantes de crimes conexos (em que houve derramamento de sangue) foram presos, em quase sua totalidade, passaram longos anos na prisão e não foram beneficiados pela anistia. Saíram da prisão por conta da modificação da legislação penal do regime que reduziu as penas. Quem, na época da anistia, já tinha cumprido o tempo total, foi solto. Quem havia cumprido só uma parte das longas penas, saiu, por liberdade condicional. Ora - argumentam os advogados - com os torturadores não houve nem sequer processo, nem identificação para saber quem podia ser anistiado ou não. Independentemente da controvérsia sobre se a Lei da Anistia vale para os casos de tortura (o Direito Internacional considera que tortura é crime imprescritível), o caminho da ação declaratória (que leva apenas ao reconhecimento do crime e à identificação do agente) já permitiria uma satisfação às famílias das vítimas e à sociedade, removendo esse passivo. É um raciocínio que tem lógica.

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