sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Punir ou perdoar?

Jornal O POVO (Fortaleza) / Opinião – 12.10.2008
artigo

Edson Luís de Almeida Teles
Esta é uma das questões que hoje nos são impostas pela herança da ditadura militar no Brasil (1964-1985). Tais como as ditaduras na Argentina e no Chile, o governo militar brasileiro se caracterizou pela sistemática violação aos direitos de seus cidadãos por meio de um brutal aparato policial-militar. E pior: o esquema repressivo foi montado e mantido pelo Estado, que institucionalizou a prisão, a tortura, o desaparecimento e o assassinato de opositores. Hoje, o país se vê com o problema de como conciliar o passado doloroso com um presente democrático, administrando conflitos que não se encerraram com a mera passagem institucional de um governo de exceção para um democrático. Por que passadas décadas dos crimes uma parcela considerável da sociedade demanda por justiça? Deve-se julgar e punir os responsáveis pelas violações aos direitos humanos? Ou eles podem ser perdoados em nome da reconciliação nacional? Recentemente, por iniciativa do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos, realizou-se uma audiência pública na qual alguns membros do governo defenderam a idéia de que os crimes de tortura durante a ditadura não foram anistiados, pois não teriam sido contemplados pela Lei de Anistia. O fato é que, independentemente da lei brasileira de 1979, o Brasil tem assinado desde 1946 acordos internacionais - com poder de lei para os países aderentes - que condenam os crimes contra a dignidade humana e os tornam imprescritíveis. Ou seja, a qualquer tempo, entre a data do crime e a abertura de investigações, o Brasil é obrigado a tomar providências em favor da punição dos responsáveis. Há três condições para que um crime seja qualificado como de lesa humanidade: ter sido autorizado por agentes ou instituições do Estado, ser cometido por razões políticas, religiosas ou étnicas e atingir uma determinada parte da população civil. Durante a ditadura, o governo militar criou os departamentos de operações de informação (DOI-CODI), que funcionavam dentro de quartéis, e institucionalizou a tortura, o assassinato e o desaparecimento. Segundo o Ministério da Justiça, até o ano de 2007, cerca de 50 mil brasileiros entraram com pedidos de indenização por terem sofrido alguma violência durante o regime militar. Além disso, o argumento de que a retomada do assunto nos dias de hoje poderia causar algum dano às instituições democráticas não convence. De acordo com pesquisa realizada em 20 países - incluindo os países da América do Sul herdeiros de ditadura, como o Brasil -, pela cientista política norte-americana Kathryn Sikkink, da Universidade de Minnesota, os países que julgaram e puniram os criminosos dos regimes autoritários sofrem menos abusos de direitos humanos em suas democracias. O estudo atesta que a impunidade em relação aos crimes do passado implica incentivo a uma cultura de violência nos dias atuais. É por isto que assistimos freqüentemente às notícias de tortura e desrespeito aos direitos em nossas delegacias, quartéis e dependências de segurança do Estado. Enquanto os torturadores do passado recente não forem julgados e punidos, não teremos êxito nas políticas de diminuição da violência na democracia. É preciso que o país crie uma Comissão de Verdade e Justiça, apure as circunstâncias dos crimes, abra os arquivos da ditadura e puna os responsáveis. Somente assim teremos como nos desligar do passado e construir uma democracia estável e respeitosa dos direitos do cidadão.
EDSON LUÍS DE ALMEIDA TELES Professor de Ética e Direitos Humanos na Universidade Bandeirante de São Paulo. Um dos autores de ação declaratória que levou o Tribunal da 23ª Vara Cível de São Paulo a condenar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-Comandante do Doi/Codi, por crime de seqüestro e tortura

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