sexta-feira, 7 de novembro de 2008

MP dá 15 dias para abrir arquivos sobre Guerrilha do Araguaia

Vasconcelo Quadros, Jornal do Brasil

BRASÍLIA - O procurador da República de Brasília Rômulo Moreira Conrado derrubou as argumentações da Advocacia Geral da União (AGU) e pede que o governo entregue à Justiça Federal de Brasília, dentro de 15 dias, todos os documentos que possam ajudar a localizar as sepulturas dos 70 ativistas do PCdoB desaparecidos na Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975. Num parecer de nove laudas, Conrado diz que não cabe mais qualquer recurso contra a sentença e recomenda que, se os arquivos do Araguaia não forem encaminhados à Justiça Federal, os ministros responsáveis pelo levantamento sejam processados.

“(O) desatendimento pode resultar na imposição de pena por crime de desobediência ou prevaricação” – escreve o procurador no despacho.

Os primeiros alvos de Conrado são os ministros Tarso Genro, da Justiça, Dilma Rousseff, da Casa Civil, Nelson Jobim, da Defesa, e José Dias Toffoli, da AGU. Eles são herdeiros da Comissão Interministerial criada pelo presidente Lula em 2003 para elucidar o Caso Araguaia, cumprindo a sentença da juíza federal Solange Salgado, de Brasília. Em junho de 2003, em decisão inédita que se tornou definitiva no ano passado, a magistrada estipulou prazo de 120 dias para que a União informasse o local de sepultamento, fizesse o translado dos ossos, fornecesse os documentos para os atestados de óbito e entregasse um relatório detalhado das operações militares ocorridas à época na região do Bico do Papagaio.

O processo

A ação foi aberta pelos familiares dos guerrilheiros em 1982. Cinco deles já faleceram – entre os quais a mãe do guerrilheiro carioca Guilherme Lund, Julia Gomes Lund, que encabeça a ação. Depois da sentença da juíza Salgado, para não entrar em atrito com os militares, o governo passou cinco anos enrolando a Justiça, mas agora não tem mais a quem recorrer. Caso os documentos não ajudem a apontar o local dos corpos, a Justiça Federal, com parecer favorável do MPF, deve abrir um processo para a execução da sentença, fazendo aquilo que o governo mais teme: determinar diligências e, o principal, que sejam ouvidos formalmente, como testemunhas e sob o compromisso de falar a verdade, os militares que participaram da repressão.

Entre os agentes que comandaram os combates e participaram de prisões de guerrilheiros capturados vivos – e que atualmente figuram na lista de desaparecidos – estão os coronéis da reserva Lício Ribeiro Maciel e Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido como Major Curió, arquivo vivo do período. Além deles, ainda estão vivos entre 60 a 70 oficiais que participaram das três campanhas contra a guerrilha. Embora tenham publicado livros sobre o episódio usando documentos oficiais que as Forças Armadas negam existir, eles nunca foram procurados por nenhum órgão oficial para esclarecer o paradeiros dos desaparecidos.

- É fato que a União tem adotado diversas medidas que ensejaram maior atraso no cumprimento da sentença condenatória - afirma Conrado. Ele explica, no entanto, que não há mais alternativa de recurso, diz que nem é necessário citar a União – como quer a AGU para entrar com nova medida jurídica – e afirma que a única ação cabível, conforme desejam os familiares, é encerrar o caso apontando o destino dos guerrilheiros.

O procurador sustenta que desde 2004 o governo dispõe de “acervo documental”, cuja organização se encontra com os integrantes da Comissão Interministerial. Os documentos serão requisitados ao ministro da Justiça, Tarso Genro, sucessor do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, à época o encarregado de coordenar os trabalhos.

Caso pode gerar nova crise militar no governo

A decisão judicial que manda apontar o paradeiro de 70 guerrilheiros desaparecidos durante a Guerrilha do Araguaia – 58 ativistas do PCdoB e 12 camponeses que viraram combatentes – coloca o governo contra a parede. E força uma tomada de decisão política que amplia o abismo que separa os ministros Tarso Genro e Paulo Vannuchi de seus dois colegas de Esplanada, Nelson Jobim e José Dias Toffoli, em conflito sobre a punição (ou não) de torturadores protegidos pela Lei da Anistia. O Caso Araguaia é mais grave e pode arrastar para a arena o segmento que o governo do presidente Lula – formado em seu núcleo por ex-ativistas que pegaram em armas – mais tem tentado evitar: as Forças Armadas.

Se houve alguma resistência consistente contra o regime militar, ela é simbolizada pela Guerrilha do Araguaia, um movimento organizado durante nove anos (de 1966 a 1975) e que obrigou as três forças, Exército, Marinha e Aeronáutica a entrar na selva por quase três anos para desalojá-lo. Mesmo sem condições de fazer frente a um exército regular _ formado no final por tropa especializada em combates na selva _, a resistência da guerrilha também levou o regime a optar por uma solução não-convencional: o massacre. A Guerrilha do Araguaia é o movimento mais farto de informações sobre prisões, torturas e execuções de prisioneiros que "até as árvores" viram vivos antes de desaparecer _ o que explica a conspiração do silêncio em torno do caso.

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