sexta-feira, 7 de novembro de 2008

VIDAS INTERROMPIDAS

Tribuna Metalurgica
24/09/2008

Perseguidos pela ditadura militar, metalúrgicos perderam seus empregos, parte da vida e, agora, tentam uma reparação do Estado brasileiro. Muitas destas histórias foram lembradas ontem, em São Bernardo, durante sessão da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

Comissão julga anistia e indenizações a metalúrgicos

Várias histórias de vidas interrompidas por prisões, perseguições e fugas dos agentes da ditadura militar foram lembradas ontem no plenário da Câmara Municipal de São Bernardo, durante a sessão especial realizada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

Ao longo do dia, a Comissão analisou 41 pedidos de metalúrgicos com as reivindicações de anistia e reparação econômica, já que perderam seus empregos ou foram prejudicados de outra forma entre 1964, ano do golpe militar, até 1985, fim da ditadura.

Ao abrir a sessão, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, disse que a maior parte dos casos referia-se a participação dos trabalhadores nas chamadas greves histórias, nas décadas de 70 e 80.

Ele alertou também que a Comissão está revendo os critérios para o cálculo do benefício. Antes, o cálculo era feito com base nos valores pagos no topo de carreira da função do trabalhador perseguido, e agora passou a ser feito com base na média dos salários pagos naquela função. A sessão foi aberta pela manhã e se estendeu até à noite.

“Fui fazer bicos para sobreviver”

Zoraide Gomes de Oliveira era militante da Ação Popular (AP), grupo de esquerda que atuava na clandestinidade com conscientização política dos trabalhadores e, em 1969, foi trabalhar na Cofap.

Entrar numa fábrica era uma das táticas da AP para fazer conscientização dos trabalhadores a resistir à ditadura e lutar pela democratização do País. Depois que se casou com Luiz Henrique, que era da direção da AP, Zoraide foi morar em Belo Horizonte, onde continuou a militância política.

Em dezembro de 1971, ela foi presa, acusada de distribuir panfletos subversivos. O marido, também procurado, conseguiu fugir.

Ela ficou presa até dezembro de 72, depois foi condenada e passou mais seis meses na prisão. “Tudo isso sem nenhuma prova”, conta ela. O pior, disse, foi o desaparecimento de sua filha, que na época tinha 1 ano e meio. “Fui vê-la meses depois, quando pedi para meus pais cuidarem dela”.

A partir da prisão, Zoraide teve dificuldade de encontrar serviço. Viveu fazendo pesquisas de opinião pública e outros serviços esporádicos. Em 1981, foi morar em Brasília e lá refez sua vida. Hoje, ela trabalha na Secretaria de Trabalho do Distrito Federal.

“Nunca mais consegui emprego com carteira assinada”

Lúcia Boaretto entrou na Volks em 1973 como auxiliar de escritório e lá ficou até 1980, quando já trabalhava como secretária.

Nascida em família de operários, com pai soldador e irmão ferramenteiro, Lúcia tinha trabalho no bairro onde morava, em Santo André, com os movimentos de alfabetização e de oficinas comunitárias.

Envolvida com a luta dos trabalhadores, participava das greves e fazia arrecadação de doações para o Fundo de Greve. Em 1980, ela foi demitida por justa causa.

“Devem ter me visto em alguma mobilização e meu nome foi parar em alguma lista de pessoas indesejadas que circulavam nas empresas”, conta Lúcia. Nunca mais conseguiu emprego com carteira assinada. Na época, vendeu o carro, mudou-se para uma casa modesta e passou a fazer bicos. Entre 1984 e 87 trabalhou de zeladora e depois montou um pequeno comércio, que tem até hoje.

“Parece que ficou uma marca na minha vida, pois nunca mais consegui emprego com carteira assinada”, comentou.

“Estava numa lista com mais 150 trabalhadores”

Keiji Kanashiro entrou para a Juventude Estudantil Católica (JEC) aos 16 anos e depois passou a militar na Ação Popular (AP). Participou do movimento estudantil e, em seguida, foi trabalhar na periferia da capital. Em 1971, ainda como militante da AP, foi trabalhar como analista na Mercedes Benz, participando das greves e ajudando no Fundo de Greve.

Em 1980, mesmo com estabilidade negociada pelo Sindicato, foi demitido da montadora. A partir daí, passou a ter dificuldade de conseguir emprego, pois seu currículo era rejeitado em todas as empresas.

“Anos depois, fiquei sabendo de uma lista com cerca de 150 trabalhadores que circulava entre o pessoal de Recursos Humanos aqui da região”, comentou.

Ele disse que passou a ter uma vida de altos e baixos. Continuou a estudar e depois de formado foi lecionar.

Publicada na Tribuna Metalúrgica nº 2536 (em formato PDF, 887 Kb)

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