sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Ciclo relembra e debate os 40 anos da “Batalha da Maria Antônia” em São Paulo

Centro Universitário Maria Antônia promove um ciclo de palestras, filmes e exposições sobre os 40 anos da guerra estudantil de outubro, um dos episódios mais emblemáticos do enfrentamento entre apoiadores da ditadura e a resistência contrária ao regime civil-militar intensificado no final de 1968

Danilo Dara,
da Redação

A partir desta segunda-feira, dia 06 de outubro, o Centro Universitário Maria Antônia promoverá um importante ciclo de atividades (mostras, exposições, debates) sobre os 40 anos daquele episódio que ficou conhecido como a “Batalha da Rua Maria Antônia”, um dos mais emblemáticos quanto ao acirramento político e repressivo levado a cabo pela ultradireita e demais apoiadores da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985) no segundo semestre de 1968.

Na ocasião, ao longo das primeiras semanas de outubro, jovens estudantes e trabalhadores, opositores ou apoiadores da ditadura, acabaram se enfrentando violentamente nas redondezas e na própria rua que separava a antiga Faculdade de Filosofia da USP (atual Centro Universitário), e a Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Tratava-se de uma rivalidade política antiga, que fora acirrada depois que um grupo de estudantes do Mackenzie, ligados ao fascista Comando de Caça aos Comunistas (CCC), na noite de 17 de junho daquele ano invadiu a Sala Galpão do Teatro Ruth Escobar, e espancou o elenco e os técnicos do grupo Oficina, que encenavam “Roda Viva” de Chico Buarque e Ruy Guerra, sob a direção de José Celso Martinez Corrêa. Ao longo daquele ano, mais de 10 atentados à bomba já tinham sido levados a cabo por grupos assemelhados da ultra-direita. O elenco de “Roda-Viva” seria ainda agredido em muitas outras cidades do país durante sua temporada, inclusive em Porto Alegre também no início de outubro.

Já em São Paulo, de meados de junho até outubro, o clima na famigerada rua Maria Antônia foi apenas esquentando, e culminou com um enfrentamento aberto entre os jovens, que montaram barricadas pelas redondezas das universidades nas quais, respectivamente, tinham seus redutos antagônicos. Entre muitos saldos negativos, o enfrentamento acabou tirando a vida do jovem estudante secundarista opositor ao regime, José Guimarães, que fora assassinado a tiros no dia 03 de outubro por um comando do CCC entrincheirado no alto de um dos prédios do Mackenzie – bem em frente ao prédio da USP. A batalha foi um dos antecedentes imediatos que determinaram a prisão, no dia 12 de outubro, de centenas de militantes estudantis que tentavam realizar clandestinamente o XXX Congresso da UNE, num sítio em Ibiúna-SP.

Episódios que, articulados com a intensificação da resistência sindical, rural e artística crescente ao longo de todo ano (a qual, entre outros acontecimentos, deve-se incluir as greves de Contagem-MG, Osasco-SP, e a dos trabalhadores rurais de Cabo-PE), influenciaram decisivamente na decretação, pelos ditadores, do Ato Institucional nº 5 no dia 14 de dezembro daquele ano. Decreto que determinaria uma das piores viradas da história do país.

O ciclo programado pelo Centro Universitário, intitulado '1968 VOU VER - Reflexões sobre outubro de 1968 no Maria Antonia', não se restringirá ao episódio do confronto, mas procurará justamente abordar todo o clima político-cultural vivido à época. Um ambiente intelectual e prático que inspirou uma série de formas de resistência à ditadura civil-militar (das variadas expressões artísticas à resistência armada). Nesse sentido, os seminários contarão em suas mesas com a participação de muitos protagonistas daquele período, dos mais variados campos de atuação.

Buscando saber um pouco mais sobre as motivações e objetivos do evento, o Brasil de Fato entrevistou as diretoras do Centro Universitário Maria Antônia, Rosa Iavelberg, e Tânia Rivitti, ambas coordenadoras do ciclo. E, devido à importância e atualidade do tema, pretende fazer uma cobertura especial do ciclo, produzindo textos diários a partir das atividades que ocorrerão entre os dias 06 e 10 de outubro. A PROGRAMAÇÃO COMPLETA do evento pode ser conferida também logo abaixo da entrevista, ou no site www.usp.br/mariantonia .

Brasil de Fato - Geralmente, no Brasil, comemora-se ou relembra-se o clima de efervescência político-cultural de 1968 no primeiro semestre, em torno de maio - portanto sob forte influência dos eventos daquele ano na França, sobretudo. Em que medida a lembrança dos 40 anos da 'Batalha de Outubro na Maria Antônia' - que já nos últimos meses de 1968 revelava a forte polarização entre apoiadores do regime e opositores, culminando no decreto do AI-5 em dezembro -, e o ciclo de atividades proposto pelo Centro Universitário pode ser inovador quanto a um outro olhar histórico sobre o período?

Rosa Iavelberg e Tânia Rivitti - Sem dúvida a aura do evento diferencia-se porque o Centro Universitário Maria Antonia sitiou grande parte dos acontecimentos. O trabalho com a memória por intermédio de eixos temáticos – “nós vivemos”, “nós escrevemos”, “nós lemos” e “fizemos arte” –, realizado com a presença de muitos participantes da época, será ponto de partida para o projeto de um centro de memória desta história, assim como das atividades culturais, artísticas e educacionais desenvolvidas no CEUMA.

Além disto, vamos montar uma exposição de artes plásticas envolvendo artistas que marcaram o período (Flávio Império, Marcelo Nitsche e Maurício Nogueira Lima); mostra fotográfica e cinematográfica de longas, documentários e curtas.

BdF - Outro clichê sobre o período é alegar que a efervescência de 68 fora restrita a jovens intelectuais de classe média revoltados com Deus e o mundo, mas alheios à população brasileira (mais pobre) em geral. No caso brasileiro, a batalha da Maria Antônia, para o bem ou para o mal, pode servir para reiterar isso. Como problematizaram esta questão na conceituação do ciclo?

Rosa Iavelberg e Tânia Rivitti - Os organizadores do ciclo acreditam que os jovens militantes, embora oriundos, em sua maior parte da classe média, eram movidos por forte consciência político-social, formação cultural e participação artística.

A interpretação por eles feita à época pode ter sido equivocada na avaliação do real poder e adesão ao movimento. Entretanto, tais equívocos não desmerecem o valor e a qualidade da intenção política que mobilizou aqueles jovens e intelectuais.

BdF - A apresentação do ciclo diz ter 'o intuito de pensar o ambiente político-cultural da época e suas repercussões ainda hoje'. Poderia trocar em miúdos de onde/quem partiu a iniciativa, e quais os principais objetivos da série de eventos?

Rosa Iavelberg e Tânia Rivitti - A iniciativa partiu da equipe de trabalho do Maria Antonia que observou a necessidade de convidar consultores que participaram ativamente do movimento.

O objetivo cumpre com os propósitos deste centro que visa à preservação e documentação da memória e da história do edifício e dos fatos que abrigou, tanto junto à comunidade universitário como à população interessada.

Por outro lado, reavivar este clima cultural intenso vivido à época, objetiva remeter à reflexão sobre uma inexorável mudança de paradigma impressa pela globalização.

BdF - A seu ver, em breves palavras, quais seriam as principais 'repercussões ainda hoje' daquele período de profundo fechamento ditatorial, exatamente num momento de grande efervescência política, cultural, crítica? Elementos do “estado de sítio” persistem? A “efervescência cultural” se rarefez?

Rosa Iavelberg e Tânia Rivitti - Retomando as conseqüências da globalização podemos afirmar que o desinteresse por política de muitos jovens é uma constante, não só no Brasil como em outros países. Mas isto não pode ser generalizado: novos tempos, novos marcos.

Entretanto, a reordenação dos modos de produção, distribuição e consumo dos bens culturais e artísticos também expandiu os canais de participação dos seus realizadores. Hoje temos ‘tribos’ na periferia, grupos de grafiteiros, gravadoras alternativas, espaços de difusão comercias e cults, mostras em galerias e galpões que atestam a tensão da diversidade e a pressão daquilo que não quer se acomodar, como sempre aconteceu, de certo modo, com a produção artística ao longo da história.

BdF - Além da sua coordenação, quem mais se envolveu na preparação das atividades (debates, mostras, exposição etc)? Haverá desdobramentos do ciclo - como vídeos e publicações relacionadas?

Rosa Iavelberg e Tânia Rivitti - O trabalho foi coordenado por uma equipe. Mantivemos reuniões periódicas a partir de março para chegar ao formato que apresentamos. Julgamos que promover discussões que atualizam as questões ainda presentes no imaginário social e refletem os conflitos oriundos de uma sociedade que não reparte seus bens democraticamente, é tema não superado.

Neste sentido, muitas questões que mobilizaram a militância em 68 permanecem sem solução.

Do ponto de vista da revolução dos costumes, avançamos sobremaneira, o movimento foi bem sucedido, entretanto, as contradições das esferas política e social estão aí a espetar nossas consciências em busca de soluções. Para tanto, pensamos ser oportuno abrir o debate à participação pública.

Não podemos deixar de citar a colaboração que tivemos de Alípio Freire (escritor e jornalista) e Franklin Leopoldo (professor da Faculdade de Filosofia) nesta empreitada.

Um ponto que queremos ressaltar é o ciclo de projeções de filmes raros feitos no e sobre o período que exibiremos durante o evento.

A iniciativa pôde se concretizar em função do apoio e parceria da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e da Pró-reitoria de Cultura e Extensão da Universidade de São Paulo, campus capital.

Na abertura do evento queremos homenagear os 41 mortos e desaparecidos da Universidade de São Paulo ao som do Hino Nacional.

Convidamos aos leitores deste veículo a participar da programação do evento que se encontra em nosso site: www.usp.br/mariantoniabr ou pelo telefone 3255-7182 - ramal 51.

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