sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Crimes da ditadura: pedido de vistas de Grau cria esperanças

31 DE OUTUBRO DE 2008 - 20h24
Portal Vermelho

Apesar do questionado parecer da AGU (Advocacia Geral da União), os defensores da punição das torturas da ditadura andam otimistas. Motivo: o pedido de vistas feito nesta quinta-feira (30) pelo ministro Eros Grau, que suspendeu o julgamento de um caso correlato no STF (Supremo Tribunal Federal); Grau alegou que deseja cotejar o processo com a Arguição – em que será o relator – apresentada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), defendendo a punição de quem torturou e matou durante o regime militar.

Por Bernardo Joffily

O ministro Eros Grau: exame conjunto

Uma pessoa que acompanha de perto os trabalhos da Comissão de Anistia e o passivo deixado pela ditadura em matéria de direitos humanos acredita que o Supremo será "a arena" onde se decidirá a contenda. Sorridente, a fonte afirmou ao Vermelho que o ministro Paulo Vannuchi (Secretaria de Direitos Humanos) esperará o julgamento da Arguição, antes de consumar a ameaça de demissão em protesto contra o parecer da AGU. Ela manifesta a esperança de que o voto de Eros Grau como relator pode ter grande valia no desfecho da polêmica.

Tragédias de arrepiar os cabelos

O conteúdo controvertido é o mesmo: torturadores e assassinos a serviço das ditaduras do passado podem (e devem) ou não ser punidos? É a pergunta que chega ao Judiciário por diferentes caminhos, e divide o próprio primeiro escalão do governo federal. Por trás das contendas jurídicas, estão tragédias humanas de arrepiar os cabelos.

O julgamento que o pedido de Grau adiou no STF é de dois pedidos de extradição do major uruguaio Manuel Juan Cordeiro Piacentini, feitos pelos governos da Argentina e do Uruguai. Preso no ano passado, em Santana do Livramento (fronteira Brasil-Uruguai), ele foi condenado nestes países por crimes cometidos nos marcos da famigerada Operação Condor: o "desaparecimento" de dez pessoas e, pior, o seqüestro de um menino com 20 dias de idade, Aníbal Armando Parodi.

Para a Justiça argentina, o major Piacentini seqüestrou a criança, filha de uma militante argentina de esquerda, Simón Riquelo, em julho de 1976. O menino, 20 dias de idade, foi deixado na calçada de um hospital de Buenos Aires. Adotado, rebatizado como Aníbal Armando Parodi, só aos 26 anos Simón descobriu sua verdadeira identidade.

No Supremo, o relator, ministro Marco Aurélio Mello votou contra a extradição de Piacentini, por entender que s crimes já prescreveram e a Lei de Anistia brasileira de 1979 cobriria o caso. Grau inicialmente acompanhou Marco Aurélio, mas reconsiderou sua posição, assim como a ministra Cármen Lúcia, diante do vigoroso voto-vista do ministro Cezar Peluso. O placar entre os 11 membros do STF está em cinco a favor e três contra o pedido de extradição.

O general Ustra no banco dos réus

No Brasil, o processo que reabriu a polêmica sobre os crimes da ditadura foi de iniciativa de cinco membros da família Teles (Maria Amélia, sua irmã Criméia, seu marido, César, e os filhos Janaína e Edson, na época com cinco e quatro anos de idade): eles acusam o general da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra de torturá-los no DOI-Codi de São Paulo em 1972-73.

A partir desse caso, foi aberto outro processo na Justiça de São Paulo, a pedido do Ministério Público, contra Ustra e outro oficial da reserva no comando do Doi-Codi, Audir Santos Maciel por desaparecimento, morte e tortura de 64 pessoas. Ustra e seus homens são objeto de 502 denúncias de torturas.

É neste processo que está anexado o parecer da AGU, um órgão do governo federal, que se ampara na Lei de Anistia para considerar perdoados os crimes de tortura cometidos durante o regime militar. Conforme nota da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, nesse episódio "a União, convidada a alinhar-se com o Ministério Público, preferiu assumir postura que beneficia os torturadores".

A ADPF da OAB

A polêmica estendeu-se pela opinião pública e dentro do próprio governo Lula. Vannuchi considerou o parecer da AGU "equivoco brutal" e disse que no final, "se prevalecer esse ponto de vista, uma pessoa como eu tem que deixar o governo". Ao seu lado colocou-se o também ministro Tarso Genro (Justiça): "A decisão contraria toda a jurisprudência internacional, todos os juristas sérios que tratam do assunto e os princípios fundamentais de defesa dos direitos humanos que estão incorporados na Constituição", disse Tarso na semana passada. Em defesa da AGU colocou-se o ministro da Defesa, Nelson Jobim.

Quando a controvérsia sobre a Lei de Anistia de 1979 entrou na ordem do dia, o Conselho Federal da OAB decidiu recorrer ao Supremo, por meio de uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). A ADPF de número 153 é assinada pelo presidente nacional da Ordem, Cezar Britto, e pelo jurista Fábio Konder Comparato, presidente da Comissão de Defesa da República e da Democracia. Argumenta que a tortura é crime de lesa-humanidade, sendo imprescritível e, logo, não se confunde com crime político.

É a ADPF 153 que Grau examina, na qualidade de relator, em conexão com o pedido de extradição do major uruguaio e com as cenas de terror neles envolvidas. O Brasil é o país sul-americano mais recuado no ajuste de contas com os crimes de seu passado ditatorial. Os defensores da condenação dos que torturaram e assassinaram não querem mandar ninguém para a cadeia, mas simplesmente que a Justiça determine sua culpa. Com a palavra o ministro Eros Grau.

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