sexta-feira, 7 de novembro de 2008

OAB força debate com governo sobre revisão da ditadura

Vasconcelo Quadros, Jornal do Brasil

BRASÍLIA - A lei que há 39 anos permitiu a volta dos exilados, tirou da cadeia presos políticos e anistiou policiais e militares virou pivô de um debate que divide o governo e pode se transformar no primeiro passo de um movimento que reivindica o acerto de contas com o regime militar.

Responsável por três ações que buscam, no Judiciário, o esclarecimento dos crimes da ditadura, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, acha que nunca houve clima tão favorável para se fazer uma revisão dos anos de chumbo e punir torturadores.

– O Brasil não pode mais negar aos brasileiros sua própria história. O período militar precisa ser contado e compreendido para que não se repitam os erros do passado – diz o presidente da OAB, em cuja gestão a revisão da história recente foi definida como prioridade.

Cezar Britto explica que a principal ação protocolada pela entidade no Supremo Tribunal Federal (STF) – uma argüição de descumprimento de preceitos fundamentais – não propõe revisão na Lei da Anistia, mas uma análise constitucional. O objetivo é demonstrar que há um equívoco na interpretação da lei. Segundo ele, não se pode confundir crime político com tortura, sobre o qual não há nenhuma referência no texto da anistia.

Submundo

– Tortura é crime de lesa-humanidade, imprescritível e não pode ser objeto de anistia. Quem torturou não é alvo de proteção da lei de 1979 – sustenta o advogado.

Ele diz que a OAB espera do STF uma interpretação coerente também com os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e afirma que nem as Forças Armadas devem se sentir ofendidas com uma eventual decisão favorável à punição dos torturadores.

– A tortura ocorreu no submundo da repressão. A OAB quer ressaltar que as Forças Armadas não a admitiram – afirma.

As outras duas ações da entidade pedem a abertura dos arquivos e a punição de quem destruiu documentos do período militar.

Britto diz que há uma série de movimentos no sentido de esclarecer as pendências da ditadura, mas acha que um dos sintomas favoráveis, por mais paradoxal que pareça, é o racha existente dentro do próprio governo. Os ministros da Justiça, Tarso Genro, e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vannuchi, estão em franco confronto com outros dois colegas de Esplanada: o da Defesa, Nelson Jobim, e o chefe da Advocacia Geral da União (AGU), José Antonio Dias Toffoli.

Ameaça

Vannuchi ameaça deixar o governo se a AGU insistir na defesa apresentada na 8ª Vara Cível da Justiça Federal em São Paulo e que tornou a União ré na ação contra os coronéis Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel. Os advogados do governo chegam a invocar a Lei da Anistia e citam as indenizações aos perseguidos para contestar o Ministério Público Federal, argumentos que, segundo Vannuchi, beneficiam os torturadores.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, incentivou o presidente da Comissão da Anistia, Paulo Abrão, a explicar na Comissão Internacional de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) a posição do Brasil em relação a punição dos crimes de lesa-humanidade. A audiência foi provocada pela ONG internacional Center for Justice and International Law (CEJIL). A entidade argumenta que a Lei da Anistia vem sendo usada no Brasil para proteger torturadores. A CIDH pode abrir um processo para julgar as ações do governo brasileiro.

Araguaia

– O governo precisa se definir sobre essa matéria. A posição até agora assumida é dúbia. Enquanto alguns ministros são favoráveis à punição, a AGU fez um recurso sustentando que o crime de tortura prescreveu – critica Cezar Britto.

O presidente da OAB diz que, além dos cerca de 60 casos levantados pelo Ministério Público Federal em São Paulo, o principal documento para iniciar uma investigação contra os torturadores é o livro Brasil Nunca Mais, que publicou a lista com os nomes de dezenas de policiais e agentes do regime que se envolveram diretamente em tortura.

No meio do confronto aberto entre assessores do presidente Lula está também uma sentença da juíza federal de Brasília Solange Salgado, que mandou a União responder aos familiares dos ativistas do PCdoB desaparecidos no Araguaia, entre 1972 e 1975, onde foram parar os corpos. Irrecorrível desde o ano passado, a decisão passou pela AGU – que baixou parecer retirando o prazo de 180 dias exigidos na sentença – e encontra-se agora nas mãos de Nelson Jobim.

[23:52] - 31/10/2008

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