sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A polêmica sobre a anistia

O ESTADO
Opinião

Obrigada a se manifestar numa ação movida na 8ª Vara Federal de São Paulo contra os coronéis reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, acusados pelo Ministério Público Federal de terem cometido crime de tortura durante a ditadura militar, a Advocacia-Geral da União (AGU) se encontra numa posição politicamente delicada. Como a questão pode ter repercussões que ultrapassam o caso sob juízo, pois o Ministério Público pede na mesma ação a abertura dos arquivos do II Exército e a condenação da União por crime de omissão, o chefe da AGU, José Antonio Tóffoli, divulgou um parecer elaborado pelo procurador-regional da União, Gustavo Amorim, e pela advogada federal Lucila Garbelini, no qual afirmam que o processo do Ministério Público não tem fundamento jurídico. Segundo eles, a Lei da Anistia, que foi aprovada em 1979, se aplica tanto aos adversários do regime militar quanto aos agentes do poder público que eventualmente praticaram torturas e outros atos violentos contra presos políticos. "A lei traz um espírito de reconciliação e de pacificação nacional", afirmaram. O parecer da AGU está sendo duramente criticado por setores do próprio governo, especialmente pelo Ministro da Justiça, Tarso Genro, e pelo secretário de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi. E, acionada pela ONG Center for Justice and International Law, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, anunciou que interpelará o governo brasileiro sobre a Lei da Anistia, pedindo esclarecimentos específicos sobre a anistia a torturadores do regime militar. Para a ONG, os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário classificam a tortura como "crime contra a humanidade", motivo pelo qual esse tipo de delito seria imprescritível e torturadores não poderiam ser anistiados.Como era de esperar, as críticas ao parecer da AGU deixaram os setores militares inquietos. O general da reserva Osvaldo Pereira Gomes, que participou da redação da Lei da Anistia, há 30 anos, acusou Genro e Vanucchi de "buscarem holofotes" e usarem "velhas bandeiras", em vez de assegurar o "aperfeiçoamento democrático". Na mesma linha, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que a Lei da Anistia perdoou tanto os militantes de esquerda quanto os militares que participaram nos confrontos do tempo da ditadura. A mesma opinião foi expressa informalmente por dois ministros do Supremo Tribunal Federal. Em resposta, Vanucchi e integrantes da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos afirmaram que a AGU "extrapolou" suas atribuições, disseram que os autores do parecer agiram "sem conhecimento de causa e com abordagens superficiais" e ameaçaram renunciar, caso o órgão não volte atrás. "O parecer será utilizado por vários torturadores", disse o secretário de Direitos Humanos durante a entrega do Prêmio Vladimir Herzog, depois de enfatizar que teria o apoio da ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil. Por seu lado, Tarso Genro voltou a criticar a direção da AGU, afirmando que ela deveria ter apenas apresentado "manifestação formal de acompanhamento da ação" do Ministério Público, sem entrar no mérito da questão. "Com isso, ficaria claro que a União reconhece que é uma ação contra pessoas e não uma ação contra as Forças Armadas ou qualquer outra instituição policial da União", observou.Procurando pôr água na fervura, o presidente Lula, em entrevista a jornalistas brasileiros durante sua recente viagem a Cuba, anunciou a convocação de uma reunião com o secretário dos Direitos Humanos e o advogado-chefe da AGU. "Farei de tudo para que seja encontrada uma solução. É preciso evitar qualquer transtorno nessa questão", disse ele no aeroporto de Havana.Na realidade, Lula já deveria ter agido há três meses, quando Genro e Vanucchi começaram a defender punição para torturadores, reabrindo uma questão que parecia encerrada, uma vez que é evidente que, do ponto de vista jurídico, a Lei da Anistia perdoou os dois lados nos conflitos da ditadura. Tivesse agido antes, a crise não teria chegado a esse ponto.

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