Por Zé Dirceu
(artigo publicado no Jornal do Brasil, em 06 de novembro de 2008)
(artigo publicado no Jornal do Brasil, em 06 de novembro de 2008)
Há quase três meses se trava no país o debate sobre a Lei da Anistia, com ênfase no seu alcance, se é extensiva ou não a torturadores que agiram na didatura. O tema tem sido destaque nas manchetes, especialmente da mídia mais conservadora, que questiona agora o fato de o debate ter chegado ao governo, referindo-se às declarações do presidente Lula, que determinou aos seus ministros que não se posicionem publicamente sobre a interpretação a ser dada à Lei, por entender que a última palavra nessa questão será do Supremo Tribunal Federal.
Parte da mídia condena abertamente as discussões, esquecendo-se de que não existe foro mais adequado e apropriado para discussão da questão do que o governo, o Judiciário, quando provocado a respeito por ações judiciais concretas, e o Legislativo. Por isso, tenho apoiado os ministros Tarso Genro, da Justiça, e Paulo Vanucchi, da Secretaria de Direitos Humanos, preocupados com a correção de um parecer da Advocacia Geral da União defendendo a prescrição de crimes de tortura ocorridos no regime militar.
Na verdade, essa parcela da mídia adota o mesmo conceito de terrorista usado pela ditadura para criminalizar os que lutavam contra ela através de ações armadas, atentados e seqüestros. Mas há uma questão para além da anistia, e da discussão se ela protege os não crimes de tortura e de terrorismo.
Não posso deixar de lembrar que vários integrantes do governo e também do tucanato, militantes do PSDB, lutaram contra a ditadura em organizações armadas. Por nós e por eles, e por todos que não viram, a não ser na luta armada, outra forma de resistir à ditadura naquele momento, é que eu afirmo ser absurdo classificar como terroristas os que se opuseram à ditadura. Se esse fosse o conceito correto, o que está totalmente fora de propósito, ministros e secretários de Estado seriam acusados de terrorismo.
Os agentes do Estado, estes sim, cometeram crimes contra os Direitos Humanos, quando tinham como dever, na verdade, cumprir a lei e a própria Constituição. Tinham o dever e a obrigação de zelar pela segurança e bem estar dos prisioneiros políticos – muitos presos ilegalmente – e os torturaram e depois assassinaram e desapareceram com seus restos mortais, numa atitude covarde. E até hoje não assumida não só pelos responsáveis pelas barbaridades mas pelas próprias Forças Armadas enquanto instituição.
Eram terroristas os que se levantaram contra um Estado terrorista, que derrogou pela força a Constituição de 1946, revogou as prerrogativas da magistratura, extinguiu os direitos e garantias individuais, pôs fim às eleições diretas para presidente da República, governador, prefeitos de capital e áreas de segurança nacional, e de um terço do Senado? Eram terroristas os que se levantaram contra um Estado que implantou a censura prévia, institucionalizou a tortura e o assassinato político, extinguiu o direito de greve, de organização e de manifestação?
Então Nelson Mandela, da África do Sul, é um terrorista? Daniel Ortega, da Nicarágua, também? E os que lutavam contra o nazi-fascismo eram terroristas? Os que ocupam hoje o poder e o governo nos Estados antes governados por ditaduras como no Chile, Uruguai e Argentina, são terroristas?
Evidentemente que não. Espero que a Justiça, ao examinar um dia essa questão, antes de mais nada, decida que o regime que vigorou no país com base no golpe de Estado de 1964 era ilegal e inconstitucional. E os que lutaram contra ele, os que se insurgiram contra a tirania, tinham direito líquido e certo de fazê-lo, reconhecido pela carta das Nações Unidas. Tinham o direito de lutar em defesa da liberdade. São, portanto, democratas e não terroristas.
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