21.11.08 - BRASIL
Adital - Celso Lungaretti *
A internet foi infestada nesta semana por e-mails trazendo a reprodução de uma ficha policial dos tempos já longínquos em que a atual chefe da Casa Civil da Presidência da República militava na resistência à ditadura militar; Dilma Roussef era apontada como "terrorista/assaltante de bancos".
A internet foi infestada nesta semana por e-mails trazendo a reprodução de uma ficha policial dos tempos já longínquos em que a atual chefe da Casa Civil da Presidência da República militava na resistência à ditadura militar; Dilma Roussef era apontada como "terrorista/assaltante de bancos".
Trata-se de um verdadeiro ‘samba do crioulo doido’. A repressão política conseguia ignorar até o nome do marido de Dilma, pois, no item estado civil, colocou "casada (Lobato?)".
Davam-na como responsável por seis assaltos e o planejamento de um assassinato.
Imediatamente coloquei em circulação uma mensagem de repúdio ao uso de difamação e calúnia para prejudicar a provável candidatura de Dilma à Presidência da República (a qual, ressaltei, não tem minha simpatia nem terá meu voto, havendo, no entanto, "princípios a defendermos, mais importantes do que as pessoas").
Esclareci que, das sete ações armadas imputadas a Dilma na tal ficha, eu não tinha elementos suficientes para me pronunciar sobre três, mas as outras quatro, seguramente, nada tinham a ver com ela, pois foram executadas pela Vanguarda Popular Revolucionária, então atuante apenas em São Paulo, ao longo de 1968 e em janeiro/1969.
A mineira Dilma, por sua vez, militava na Política Operária (Polop) do seu Estado, só se transferindo para o Rio de Janeiro após a promulgação do AI-5, em dezembro/1968. Foi quando aderiu à luta armada, nas fileiras do Comando de Libertação Nacional (Colina).
A VPR e o Colina eram, então, duas organizações totalmente distintas e que não mantinham nenhuma forma de parceria ou colaboração.
A aproximação entre ambas só se deu a partir de uma decisão que a VPR tomou, neste sentido, no seu congresso de abril/1969, realizado em Mongaguá (SP). Falo com total conhecimento de causa, pois fui um dos participantes.
Iniciaram-se, então, as conversações que desembocariam na fusão entre ambas, formando a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), em julho/1969.
E, por conta de Dilma Roussef haver se tornado militante da VAR-Palmares em meados de 69, os órgãos de segurança da ditadura confundiram bisonhamente seu passado com o da VPR.
O ENTULHO AUTORITÁRIO - Este é mais um exemplo da absoluta falta de confiabilidade das informações sobre as organizações e os militantes de esquerda constantes dos Inquéritos Policiais-Militares da ditadura - as quais, hoje, continuam sendo utilizadas na propaganda enganosa da extrema-direita, servindo para a elaboração dos textos panfletários disponibilizados nos seus sites e espalhados por correntes de e-mails.
O pior é que até historiadores bebem nessa fonte espúria, como ficou evidenciado quando Élio Gaspari andou lançando acusações contra inocentes, baseado tão-somente no que retirou dos nauseabundos IPMs.
Naquela ocasião, aproveitei para esclarecer o porquê da existência de tanta imprecisão nas versões da ditadura a nosso respeito:
"O que são os IPMs do regime militar, do ponto-de-vista jurídico? Nada. Uma ignomínia que pertence à lata de lixo da História, já que tudo neles contido tem origem viciada: foram informações arrancadas mediante torturas as mais brutais, que várias vezes causaram a morte dos supliciados, como no caso de Vladimir Herzog."
E era muito comum os torturados simplesmente admitirem o que os torturadores pensavam ser verdade, ganhando, assim, uma pausa para respirar. Então, ao ler a versão dos algozes, eu sempre noto que, em cada ação da Resistência, são relacionados muito mais autores do que os necessários para tal operação."
Para alguém que estava pendurado num pau-de-arara, recebendo choques insuportáveis, é desculpável que respondesse ‘sim’ quando os carrascos perguntavam se fulano ou sicrano participara de determinado assalto a banco. Fazíamos o humanamente possível para evitar a prisão e/ou morte dos companheiros, mas não estávamos nem aí para o enquadramento penal nos julgamentos de cartas marcadas da ditadura."
O Projeto Orvil, o chamado ‘livro negro da repressão’ (síntese do acervo ensanguentado dos IPMs), cita-me como um dos três juízes no julgamento de um militante caído em desgraça com a VPR; no entanto, além de não haver jamais julgado companheiro nenhum, nem mesmo tomei conhecimento da convocação desse tribunal, se é que ele realmente existiu."Daí a impropriedade, a imoralidade e, até, a ilegalidade de se utilizar esse entulho autoritário como argumento contra quem quer que seja." ( http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/2008/03/o-gaspari-de-2008-tambm-no-mais-o-de.html)
E é mesmo impróprio, imoral e ilegal que a antiga ficha policial de Dilma esteja sendo enviada a Deus e todo mundo, juntamente com comentários os mais depreciativos: "E essa peste é Ministra do Lula! E quer ser Presidente? Nós não merecemos! Acaba sendo indenizada pelos crimes cometidos".
Está mais do que na hora do Ministério Público Federal coibir a prática de outros crimes virtuais além da pedofilia e do estelionato.
Difamação, calúnia e exortações golpistas não podem ser tranqüilamente relevadas, principalmente quando provêm de cidadãos que se organizam para atuar sistematicamente junto à opinião pública, no melhor estilo de Goebbels.
* Jornalista e escritor.
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