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O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, cobrou coragem do presidente Lula para unificar o discurso do governo em defesa da revisão da Lei da Anistia. Na avaliação do presidente da OAB, Lula pode manchar sua biografia caso não assuma uma posição na queda-de-braço travada em torno do assunto entre a Advocacia Geral da União (AGU) e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
“O presidente da República, qualquer que seja ele, tem um compromisso para com a história de seu povo. Espero que o presidente da República resolva, como nós queremos, contar a história. Sem medo”, disse Cezar Britto, em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
“O governo não pode estar com duas teses para o mesmo assunto: perante a opinião externa um [posicionamento], e perante o público interno, outro. O governo é um só, e isso exige um posicionamento publico uniforme”, completou.
O presidente da OAB diz ainda acreditar que a AGU irá rever o parecer em que contesta uma ação do Ministério Público e livra acusados de terem cometido tortura durante a ditadura militar de qualquer punição. “Até porque essa é a tese que o governo brasileiro recentemente externou perante a OEA [Organização dos Estados Americanos].”
Lei sob questionamento A Ordem dos Advogados do Brasil é autora de uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) no Supremo Tribunal Federal (STF) que contesta o parecer da AGU. A ação questiona o primeiro artigo da Lei da Anistia (Lei 6.683/79). A matéria é relatada no STF pelo ministro Eros Grau, que já encaminhou pedido de informações sobre a questão à Presidência da República e ao Congresso Nacional. A contestação da OAB em relação ao primeiro artigo se deve à alegada imperfeição do texto: os advogados querem que o Supremo interprete de forma mais clara esse trecho da lei, de maneira que a anistia não seja estendida a crimes comuns praticados por agentes públicos acusados de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade e estupro.
Na última sexta-feira (7), Paulo Vannuchi também solicitou formalmente à AGU a revisão de seu posicionamento sobre a Lei da Anistia, pedindo que a instituição mude o parecer desfavorável ao processo movido pelo MPF contra os coronéis reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, ex-comandantes do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi).
No processo, o Ministério Público pede que os dois militares sejam responsabilizados por arbitrariedades praticadas pelo militarismo nos anos 70, tais como morte, tortura e desaparecimento de 64 pessoas.
Ustra: "Não dou palpite"
O Congresso em Foco entrou em contato, por telefone, com o coronel reformado Brilhante Ustra, mas ele desligou rapidamente a ligação quando soube que estava falando com um jornalista. “Não dou palpite sobre o assunto. Quem fala por mim é meu advogado”, abreviou Ustra. O advogado Paulo Esteves alegou à reportagem que seu cliente “está tranqüilo” em relação ao caso e que "houve falha da imprensa" quando se noticiou que Brilhante Ustra foi responsabilizado por violências cometidas, à época da ditadura, contra César Augusto Teles, Maria Amélia de Almeida Teles e Criméia Alice Schmidt de Almeida. A sentença, inédita no Brasil, foi proferida no início de outubro pelo juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível de São Paulo. Em suma, o magistrado confere a Ustra o título de torturador. “O juiz não o está responsabilizando pela tortura”, disse o advogado, lembrando que o coronel não está sendo acionado na ADPF da OAB. “Não é uma ação dirigida a ele. Se discute a respeito da validade ou não da legislação da anistia. Ele nem é culpado nem inimputável, só não é parte na ação. Ele não é réu.”
Além da responsabilização, a ação requer o livre acesso aos arquivos do Doi-Codi, especialmente aos referentes ao 2º Exército, que teria sido o núcleo dos crimes de tortura do regime militar. O processo do MPF quer também que a União seja condenada por omissão por não ter buscado ressarcimento dos pagamentos de indenização feitos aos anistiados.
Na semana passada Vannuchi entregou ao advogado-geral-adjunto, Evandro Gama, um documento no qual pede que crime de tortura seja considerado imprescritível. “Tortura é crime de lesa humanidade e, portanto, não prescreve e tampouco é suscetível de anistia”, diz comunicado da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (leia mais).
Embate com o STF
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, deu sinais de que apóia o parecer da AGU. Na semana passada, ao comentar a declaração da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, de que a tortura é crime imprescritível, Mendes pôs ainda mais lenha na fogueira. "Essa discussão sobre imprescritibilidade tem dupla face. O texto constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível".
O embate entre os dois ganhou novo capítulo ontem (9), quando Vannuchi sugeriu, em entrevista coletiva, que o presidente do STF deveria evitar fazer declarações simpáticas à ditadura militar. O secretário de Direitos Humanos ressaltou que os militares utilizavam a expressão terrorismo para designar todos os que se opunham ao Estado de exceção, inclusive aqueles que nunca aderiram à luta armada.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, também tem pressionado pela revisão da Lei de Anistia. Ele confirmou ao presidente da OAB que participará da audiência especial da Caravana da Anistia, por ocasião do julgamento da ação de anistia política do ex-presidente da República João Goulart.
A sessão será realizada em 15 de novembro, como evento da XX Conferência Nacional dos Advogados, promovida pela secional de Natal (RN) da OAB. Britto disse que a audiência especial tem o seguinte propósito: “Demonstrar claramente que o golpe militar errou, e errou feio, quando afastou um presidente eleito". A Caravana da Anistia também julgará os casos de diversos advogados que teriam sido perseguidos na ditadura.
Procurado pela reportagem, o ministro da Justiça preferiu evitar polêmica. Por meio de sua assessoria de imprensa, Tarso Genro informou que “respeita o parecer técnico da AGU, mas discorda do conteúdo dele” . “É uma divergência de opinião normal, natural, sobre o conteúdo de um relatório técnico”, ressaltou a assessoria, acrescentando que o ministro só se pronunciará sobre a questão depois de definido o posicionamento do STF, e que “o governo vai acatar o que o Judiciário decidir”.
Perdão geral
Para contestar a ação ajuizada pelo MPF – e conseqüentemente, livrar os coronéis de uma eventual condenação –, a Advocacia Geral da União alegou que a Lei de Anistia perdoou os crimes políticos praticados durante a ditadura militar.
Em 22 de outubro, a AGU acionou a 8ª Vara Federal de São Paulo, por meio da Procuradoria Regional da União da 3ª Região, para defender que a Lei 6.683 propicia “um clima de reconciliação e paz nacional”, uma vez que manteria confinadas aos porões da ditadura as ocorrências dos “anos de chumbo”. A AGU alega ainda que a providência do MPF seria inviável, uma vez que, segundo o Ministério da Defesa, certos documentos teriam sido inutilizados ou destruídos, de forma que os registros sobre os dois coronéis processados estariam incompletos. A reportagem entrou em contato com o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, mas não obteve retorno.
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