Opinião
20.Nov.2008 José Carlos de Oliveira Robaldo*
A imprensa, nos últimos dias, tem dado amplo destaque à possibilidade ou não da concessão de anistia a militares e demais agentes públicos que teriam torturado presos políticos no período de exceção iniciado em 1964 e que perdurou até 1978.
A Lei nº 9.455/97 é que define o crime de tortura, enquanto que a lei que concedeu a anistia (Lei nº 6.683) é de 1979.
A dúvida é quanto à aplicação ou não da Lei de Anistia aos militares ou civis que atuaram, muitas vezes com excesso, com torturas (sobretudo nas dependências do Dói-Codi, Operação Bandeirante. Muitos, como eu, lembram do caso Wladimir Herzog, entre outros), na repressão dos chamados "grupos revolucionários de esquerda".
A Lei de Tortura (de 1997) é que define o que se entende por "crime de tortura". A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos XXXIX e XL, determina, respectivamente, que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal e que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
Isso significa, com efeito, que a lei penal - por mais repudiados que sejam os atos das pessoas - só pode punir se essas condutas forem praticadas na vigência da lei que as proíbem. Esse é um princípio histórico conquistado pela humanidade com o Iluminismo, por isso elevado à categoria de princípio de garantia constitucional fundamental.Em outras palavras, significa que o ser humano só pode, penalmente, ser punido por algo que pratica na vigência da lei penal que o proíbe.
Portanto, na perspectiva constitucional, sobretudo em face do princípio da legalidade, a Lei de Tortura não pode retroagir (voltar) para punir condutas (atos) praticadas anteriores à Carga Magna, que é de 1988.
Há, também, de outra parte, polêmica acirrada quanto à aplicação ou não da Lei de Anistia aos responsáveis (militares e civis) pela repressão dos "revolucionários". Esse embate, por duas razões, não tem nenhuma relevância prática no contexto aqui tratado. De um lado, em face do princípio da irretroatividade da lei penal mais severa e, de outro, porque o crime de tortura não é imprescritível. A Constituição, em seu art. 5º, inciso XLII, prevê que o crime de racismo é imprescritível, enquanto que em relação ao crime de tortura (inciso XLIII) estabelece que é insuscetível de fiança, graça ou anistia, não fazendo, portanto, alusão à sua imprescritibilidade, não cabendo conseqüentemente ao legislador ordinário e, muito menos, ao intérprete, estender essa característica a outros crimes diversos da vontade do legislador constituinte.
São apenas algumas reflexões. Vamos aguardar a interpretação do Supremo Tribunal Federal, que, na qualidade de guardião da Constituição, já foi provocado para se manifestar a respeito.
* Procurados de Justiça aposentado. Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual Paulista-UNESP. Professor universitário. Representante do sistema de ensino telepresencial LFG, em Mato Grosso do Sul. E-mail jc.robaldo@terra.com.br
Um comentário:
Não concordo que o crime de tortura não é imprescritível, pois ele pode não ser assim declarado pela Constituição Federal de 1988, entretanto, vários tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil dizem que é um crime contra a humanidade, e, portanto, imprescritível. O Brasil se comprometeu a observar esses tratados e não pode ignorá-los.
Maria Carolina Bissoto - pós graduanda em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
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