Fonte: Carta Capital
Esquentou a queda-de-braço dentro do governo em torno da responsabilização dos militares e policiais que assassinaram, torturaram e participaram do desaparecimento de presos políticos durante a ditadura. Na segunda-feira 27, o ministro Paulo de Tarso Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República, afirmou que voltará à “sociedade civil”, caso prevaleça no governo a posição da Advocacia-Geral da União (AGU) na ação que envolve os coronéis da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Maciel, comandantes do DOI-Codi no período de 1970 a 1976. O Ministério Público Federal (MPF) aponta Ustra e Maciel como responsáveis pela tortura e morte de 64 presos políticos e pede que esses reembolsem a União pelas indenizações pagas às famílias das vítimas. O MPF também acusa o Estado de omissão por não buscar na Justiça o ressarcimento das indenizações pagas, uma atribuição constitucional da AGU. Em sua contestação à ação do MPF, a Advocacia-Geral afirma que a Lei de Anistia, de 1979, isenta os militares de responsabilidade legal pelos crimes cometidos. E atribui a responsabilidade pelas indenizações ao Congresso, que aprovou a lei sobre o tema. Considera ainda que prescreveu, em 1996, o prazo para o ressarcimento à União. Por fim, a AGU acata a tese de que não existem mais os arquivos relativos à repressão. Deveriam tornar-se públicos, segundo o MPF. Em linhas gerais, a contestação apresentada pela AGU abraça a tese defendida por setores das Forças Armadas, sob o comando do ministro da Defesa, Nelson Jobim, principal interlocutor, nos bastidores do Planalto, dos que preferem “passar uma borracha” no período da repressão. Procurada por CartaCapital, a AGU preferiu não se manifestar. Em reunião extraordinária, realizada na quarta-feira 29, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, também ligada à Presidência, divulgou nota repudiando a iniciativa da AGU. “A comissão manifesta a sua indignação em relação às afirmações feitas pela Advocacia-Geral da União. Convidada a alinhar-se com o Ministério Público, a União preferiu assumir postura que beneficia os torturadores. Ao agir assim, a AGU procurou isentar aqueles que foram chefes do mais famoso centro de torturas do País de devolver à União as indenizações pagas às famílias dos que ali foram mortos sob tortura”, escrevem os integrantes da comissão. A nota encerra-se com uma referência ao discurso do presidente Lula, em que ele afirma que o País “precisa dessa verdade”. A afirmação foi feita durante o lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade, editado pela secretaria comandada por Vannuchi e lançado em agosto deste ano. No mesmo dia em que a nota foi publicada, o Ministério da Justiça vazou à imprensa um relatório encaminhado à Casa Civil, em que critica a atuação da AGU, por ter “avançado” indevidamente no tema da prescrição dos crimes da ditadura. Militantes dos Direitos Humanos também saíram em defesa de Vannuchi. “A tradicional conciliação na política brasileira acaba de revelar sua face mais perversa e repulsiva. É eticamente inaceitável que a União venha a assumir a defesa destes e não da dignidade do povo brasileiro”, escreveram a socióloga Maria Victoria Benevides e o professor de Direito da USP Fábio Konder Comparato. Em Washington, a atuação da AGU foi relatada à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), durante uma audiência que ouviu o procurador da República Marlon Weichert, um dos autores da ação contra os militares, o governo brasileiro e a ONG Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil). A audiência buscou elementos para o relatório que será produzido pela comissão da OEA, a respeito das garantias dadas pelo Estado brasileiro aos direitos humanos. “A posição da AGU está em desacordo com os tratados internacionais e com o que se passa nos demais países da região. A contestação é um ‘tiro no pé’, já que abre margem para o Brasil ser levado à Corte Internacional de Direitos Humanos da OEA, pois deixa claro que o Estado não cumpre com as suas obrigações”, afirma a socióloga Beatriz Affonso, da Cejil, uma das depoentes na audiência.
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